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O passado assombra

 

A coincidência não deve agradar a Lula, mas dificilmente será possível dizer que se trata de mais um golpe dos reacionários contra o governo popular do PT. Aliás, o noticiário criminal envolvendo o PT indica que o partido há muito vem se metendo em enrascadas.

Às vésperas do julgamento do mensalão, desta vez a Justiça reavivou o escândalo dos “aloprados”, que na eleição de 2006 tentaram comprar um dossiê que supostamente continha denúncias contra o então candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, o mesmo que hoje Lula tenta derrotar com o auxílio de Paulo Maluf, na disputa para a Prefeitura de São Paulo.

Naquela ocasião, Serra venceu o candidato petista Aloizio Mercadante no primeiro turno. Hoje, um dia depois do escândalo provocado pela exibição despudorada de intimidade entre o ex-presidente e Maluf, um dos brasileiros relacionados na lista de alerta vermelho da Interpol dos criminosos mais procurados do mundo, a Justiça de Mato Grosso aceitou denúncia do Ministério Público Federal contra nove dos envolvidos no episódio.

Dois deles, Jorge Lorenzetti, petista de Santa Catarina que era também churrasqueiro extraoficial da Granja do Torto no primeiro governo Lula, e o advogado Gedimar Pereira Passos, que supervisionava a segurança do comitê da campanha de reeleição, eram ligados diretamente ao ex-presidente, que, no entanto, declarou desconhecer o assunto e ainda fez-se de indignado, classificando os membros do grupo de “aloprados”.

Preso na Polícia Federal, Gedimar incluiu no grupo um segurança particular da primeira-dama Letícia Maria de nome Freud (que não se perca pelo nome) Godoy, que o teria chamado para avaliar se o tal dossiê continha mesmo fatos que comprometiam Serra.

Freud acabou desaparecendo do noticiário, assim como uma coincidência reveladora: o ex-ministro José Dirceu (sempre ele), antes mesmo que fosse divulgado o conteúdo do dossiê, escreveu que as acusações seriam “a pá de cal na campanha do picolé de chuchu”, como se referia ao candidato tucano à presidência Geraldo Alckmin.

Gedimar Passos, assessor da campanha de Lula, negociava a aquisição do dossiê com Valdebran Padilha, empresário filiado ao PT. A Polícia Federal prendeu a dupla em flagrante com 1,7 milhão de reais que seriam usados na compra do material forjado.

Expedito Veloso, outro dos envolvidos, denunciou meses mais tarde que o atual ministro da Educação, Aloízio Mercadante, e o ex-governador de São Paulo já falecido Orestes Quércia foram os mandantes do crime.

Mesmo que entre os acusados estivesse Hamilton Lacerda, então assessor de Marcadante, e que ele fosse o maior beneficiado, o candidato petista não foi arrolado como partícipe do golpe.

O centro da conspiração estava no "Núcleo de Informação e Inteligência" da campanha de reeleição de Lula, e quem chefiava a equipe de "analistas de informação" era o petista histórico Jorge Lorenzetti, ex-dirigente da CUT, enfermeiro de profissão, diretor financeiro do Banco do Estado de Santa Catarina e churrasqueiro do presidente nas horas vagas.

Lorenzetti chefiava Gedimar Pereira Passos na tarefa de contrainformação eleitoral, e foi nessa qualidade que teria sido enviado para analisar o dossiê contra os tucanos.

A descoberta do plano revelou a existência de uma equipe dentro da campanha de reeleição que se envolve em falcatruas variadas, uma maneira de atuar politicamente que vem das batalhas sindicais do ABC, as quais Lula conhece bem com que armas se disputam.

Esse mesmo esquema provocou uma crise no comitê da candidata Dilma Rousseff, quando foi descoberto que havia um grupo recrutado para fazer espionagem, inclusive o jornalista Amaury Ribeiro Filho que levou para o grupo o hoje nacionalmente conhecido Dadá, o grampeador oficial do esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Os protagonistas do chamado escândalo dos “aloprados” responderão pelos crimes de lavagem de dinheiro e operação fraudulenta de câmbio.

Segundo a denúncia do Ministério Público, eles “se associaram subjetiva e objetivamente, de forma estável e permanente, para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro, que tinha por fim a desestabilização da campanha eleitoral de 2006 do governo de estado de São Paulo”.

O Ministério Público, embora as investigações tenham rastreado todo o caminho do dinheiro, não conseguiu definir sua origem, um dos grandes mistérios desse caso.

A fotografia da montanha de dinheiro apreendido acabou sendo divulgada às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, e os petistas atribuem ao impacto da imagem a ida da eleição para o segundo turno.

O Globo, 21/6/2012