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No popular

 

A presidente Dilma mudou o tom com os bancos privados, levando para um discurso político do Dia dos Trabalhadores a exigência de redução dos juros que vinha fazendo em discussões técnicas entre o Ministério da Fazenda e a Febraban.

Essa mudança, independente da discussão de mérito, sinaliza uma perigosa tendência de seu governo de se apoiar nas altas taxas de popularidade para pressionar setores da economia que não se enquadrem nas suas orientações.

Aparentemente, o impasse criado pela reivindicação dos bancos por reduções variadas, do compulsório à carga tributária, levou a presidente a dar um passo a mais no sentido de popularizar o debate para pressioná-los.

É inegável que boa parte da popularidade estratosférica da presidente Dilma deve-se a posições bastante ao gosto da média da população, como o combate aos “malfeitos”, sem que seja necessário que resultados sejam consequência dessas atitudes.
 
No combate ao que chama de “malfeitos”, num achado marqueteiro que tira a palavra corrupção do linguajar político e coloca em contraposição a presidente e seus “benfeitos”, ela teve que demitir nada menos que seis ministros sem que nada além da perda do cargo acontecesse a nenhum deles e a outros burocratas estatais que foram de roldão nesses escândalos.

Que, diga-se de passagem, nunca foram descobertos pelos órgãos de controle governamentais, e sim pelas denúncias dos meios de comunicação.
 
Mas o que ficou na percepção popular foi sua decidida postura contra esses “malfeitos” cometidos por ministros escolhidas por ela mesma.
 
Com relação aos juros bancários, a presidente tomou medidas concretas, ordenando aos bancos públicos que reduzissem suas taxas para “dar o exemplo”, e conseguindo que o Banco Central encontrasse ambiente favorável à queda da Selic.

Mesmo que tenha sido pequena, menor do que a propaganda oficial dá a entender, há uma tendência de redução dos juros nos bancos estatais, o que cria um ambiente favorável a que a medida se espalhe pelo setor.

Vários bancos privados já anunciaram que acompanharão os bancos públicos, mas esse movimento é muito lento ainda, e as últimas reuniões entre a Fazenda e o representante da Febraban mostram que os bancos privados querem uma contrapartida governamental para aderir à queda mais firmemente.
 
Foi isso que levou a presidente Dilma a levar para a televisão o tema, que sem dúvida nenhuma é popular e contribuirá tanto para consolidar ou até mesmo melhorar sua popularidade como para reduzir a já escassa popularidade dos banqueiros privados.
 
A presidente Dilma estava até sorridente quando disse, por exemplo, palavras duras sobre os bancos privados: “É inadmissível, que o Brasil que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo. Estes valores não podem continuar tão altos. O Brasil de hoje não justifica isso”.
 
Embora sua fisionomia amena na ocasião não possa ser comparada à carranca da presidente da Argentina, Cristina Kirshner, que parece estar sempre em luta contra os dragões da maldade do capitalismo, a postura da presidente brasileira pode ser comparável à de sua colega argentina.
 
A utilização da política para resolver questões técnicas é uma tática populista que pode render frutos eleitorais a curto prazo, mas leva a decisões que podem ter consequências maléficas a longo prazo para a economia do país.
 
O discurso de Dilma foi muito bem elaborado, como sempre, pelo marqueteiros João Santana, e até mesmo questões técnicas como a inadimplência foram tratadas pelo viés populista, na intenção de jogar os argumentos dos bancos contra a população.

Os bancos alegam que a inadimplência é uma das grandes culpadas pelos altos juros, e a presidente saiu em defesa de seu povo no discurso televisivo: “Os bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresas e para o consumidor, enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra, com honestidade, os seus compromissos".

Preocupada com o crescimento da economia, que este ano promete ser mais ou menos do mesmo tamanho do anterior, isto é, em torno de 3%, taxa insuficiente para manter o pleno emprego e a percepção de bem-estar que ainda predomina, a presidente disse que “a economia brasileira só será plenamente competitiva” quando as taxas se equipararem às praticadas no mercado internacional.

"Quando atingirmos este patamar, os nossos produtores vão poder produzir e vender melhor e os nossos consumidores vão poder comprar mais e pagar com mais tranquilidade", ressaltou Dilma Rousseff.

O discurso da presidente está basicamente correto, mas ela não revelou aos telespectadores que para atingirmos esse patamar e termos uma economia mais competitiva, cabe também ao governo algumas ações.

Os bancos alegam que spread alto – diferença entre a taxa que o banco capta e a que empresta – é resultado da alta carga tributária, custos de inadimplência e a insegurança jurídica do país, da qual a fala da presidente faz parte, obviamente.

Eles têm números que mostram que 70% do spread é de custos, e 30% é o lucro líquido, e alegam que primeiro é preciso resolver as questões pendentes para depois reduzir os juros.

Um dos pontos exemplares da insegurança jurídica está na aprovação do chamado “cadastro positivo”, cuja regulamentação ainda esbarra em questões políticas no Congresso.
 
Há quem veja nele uma discriminação contra os devedores inadimplentes, que seriam prejudicados. Mas se a ideia é justamente essa, para que os bons pagadores possam ter juros mais baixos, por que demorar na decisão?

As microrreformas realizadas nos últimos anos já permitiram que a retomada de um automóvel ou de uma casa seja mais rápida, o que barateou seus financiamentos, e a Lei de Falências favorece a recuperação de créditos financeiros.

O governo escolheu a forma mais rápida e popular para movimentar a economia e aquecer o mercado interno, barateando o crédito “na marra”, a proveitando o bom momento da economia.

É uma boa causa, quem pode ser contra a redução dos juros? Mas precisa estar baseada em reformas estruturais para ser permanente.

O Globo, 2/5/2012