Os diálogos envolvendo o chefe de gabinete do governador petista de Brasília Agnelo Queiroz com membros do grupo do bicheiro Carlinhos Cachoeira, revelados ontem pelo Jornal Nacional, devem ter esfriado um pouco o ânimo da direção do PT, que via na CPMI sobre as relações do bicheiro com políticos um instrumento de pressão sobre a oposição num ano eleitoral.
Embora seja um escândalo multipartidário, os petistas consideravam, até o surgimento das denúncias contra Agnelo Queiroz, que a oposição tinha mais a perder. Como sempre fazem nessas ocasiões, tentam minimizar a participação dos seus, e demonizar os adversários.
Ao tomar conhecimento de que um assessor com sala no Palácio do Planalto aparece em conversas com assessores do bicheiro, a presidente Dilma teria dado ordens para uma demissão sumária. Bastaram algumas horas para que tudo se transformasse.
O subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais do governo federal, Olavo Noleto, passou de réu a vítima de um mal entendido. Sua conversa com Wladimir Garcez, um dos principais operadores de Cachoeira, antes que o dia terminasse passou de suspeita a meramente política, para tratar de apoios partidários em Goiás. Uma página virada, na definição do ministro Gilberto Carvalho.
Em contraponto, as relações do senador oposicionista Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira são transformadas pelos petistas em sinais de que as acusações de corrupção contra o governo não têm credibilidade e, a partir daí, sonham em desmontar o mensalão, tratando-o como fruto de uma conspiração contra o governo de Lula.
O problema é a falta de conexão entre causa e efeito, nessa nova versão surgida sete anos depois de aberto o processo, tão tortuosa quanto a intenção de seus fabricantes.
Mesmo que a gravação da propina nos Correios, que gerou a irritação do deputado federal do PTB Roberto Jefferson com o chefe do Gabinete Civil José Dirceu, tivesse sido feita a mando de Cachoeira para criar problemas para Dirceu, numa vingança do senador Demóstenes Torres que fora barrado por ele para um cargo no governo, não haveria como Jefferson criar do nada a história do mensalão.
Não existisse o imenso esquema de compra de apoio político revelado pelas investigações da Procuradoria Geral da República, denúncia acatada pelo relator do processo no Supremo, ministro Joaquim Barbosa, a acusação do líder petebista seria de outra ordem.
Aconteceu naquele momento o que ocorre em muitas quadrilhas, um desentendimento em torno da divisão do butim que provoca um rompimento das lealdades, gerando revelações de segredos que só os componentes do bando conhecem.
Esta não passa de mais uma manobra protelatória para tentar jogar o julgamento para as calendas gregas.
Mas há reações tanto internas quanto fora do Supremo. Ontem, dois ministros declararam-se a favor de que o processo entre na pauta ainda no primeiro semestre.
Gilmar Mendes disse que a votação tem que ocorrer no primeiro semestre, para evitar a possibilidade de prescrição de algumas penas, e sugeriu até mesmo, se for necessário, que a pauta seja suspensa para que o processo possa ser apreciado.
Também o futuro presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, que assume o posto no dia 19, se disse favorável a que o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowsky, apresse seu parecer “sem a perda da segurança”.
Britto já declarou que colocará o tema em pauta 48 horas depois que o ministro revisor entregar seu voto.
As redes sociais vêm tendo um papel fundamental na mobilização da cidadania em todo o mundo, e no Brasil não tem sido diferente.
Agora mesmo um grupo que se intitula “Queremos Ética na Política” se mobiliza pelo Facebook para pressionar o Supremo Tribunal Federal a julgar o caso do mensalão até o primeiro semestre deste ano, para evitar qualquer dúvida com relação a uma eventual prescrição de penas.
Há também o propósito de evitar que a aposentadoria de dois ministros do Supremo, no segundo semestre, impeça que o julgamento vá adiante.
A escolha de ministros do Supremo tem sido demorada no governo Dilma, e há um consenso sobre a necessidade de um julgamento tão importante quanto esse ocorrer com todos os 11 juízes no plenário.
No dia 25 de abril o ministro Ricardo Lewandowski receberá representantes do movimento e da Transparência Brasil. Na audiência, uma ampulheta, o símbolo do movimento para evidenciar o tempo que passa, será entregue ao ministro.
O objetivo, além de evitar a prescrição de alguns crimes, é chamar a atenção para o fato de que diversos dos réus poderão se candidatar nas eleições municipais.
Com uma eventual condenação, eles cairão na lei da Ficha Limpa e suas candidaturas serão impugnadas.
Os dados sobre o desempenho dos ministros do STF, que são calculados no projeto Meritíssimos no site da Transparência Brasil (http://www.meritissimos.org.br/), dão conta, por exemplo, de que o tempo de espera do relator Joaquim Barbosa para processos criminais é de 48 semanas.
Contudo, o próprio diretor da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, admite que não dá para comparar o processo do mensalão com a média dos processos criminais que chegam ao STF por causa da quantidade de réus e da sucessão de mecanismos protelatórios que os advogados desses réus mobilizaram.
Num momento em que os defensores dos mensaleiros pretendem se aproveitar da crise política desencadeada pelas acusações contra o senador Demóstenes Torres para tentar desmoralizar as denúncias contra a corrupção, é importante essa mobilização da sociedade civil para que a impunidade não continue imperando no país.
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Na coluna de ontem fiz uma ilação política e me antecipei a uma decisão futura do Procurador Geral Eleitoral Roberto Gurgel. Disse que ele negara o tempo de televisão para o PSD, quando na verdade, ele negou uma primeira reivindicação, a de distribuição do Fundo Partidário.
Seu argumento, de que o PSD não participou de eleições e não tem direito à distribuição da verba, deve ser o mesmo para negar o tempo da televisão, mas essa é outra etapa.
O Globo, 11/4/2012