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Além da economia

 

Um dos painéis mais instigantes do Fórum de Davos discutiu o futuro da economia e incluía dois Prêmios Nobel de Economia – Peter Diamond, do Massachusetts Institute of Technology, e Joe Stiglitz, da Universidade Columbia de Nova York.Também participaram Robert Shiller, de Yale, e Brian Arthur, do Instituto Santa Fé.

O jornalista Martin Wolff, do Financial Times, foi o mediador do debate , e ele lamentou, no artigo que escreveu, não ter contado com um membro inteiramente comprometido com o pensamento de que os mercados estão sempre certos, da escola chamada “freshwater”, particularmente associada com a Universidade de Chicago.

Isso por que três dos participantes, como Wolff descreve, eram da chamada escola de economia “saltwater”, céticos da eficiência dos mercados em todas as circunstâncias e que vivem nas costas dos Estados Unidos.

O Professor Brian Arthur, do Instituto Santa Fé, segundo o jornalista do Financial Times, é ainda mais heterodoxo do que eles: se interessa pelo impacto da tecnologia e seus crescentes retornos.

Eu não sou um especialista em economia, mas me interessou muito o olhar amplo com que os economistas passaram a tratar sua ciência, a começar pela definição de que “a economia não é uma ciência exata, por que é feita por humanos”.

É uma ciência tão complexa, portanto, quanto complexos são o ser humano e suas motivações.

Nem tudo é computável na vida, e existem mais riscos do que se pode prever.

Houve um entendimento comum de que as inovações rápidas e as alterações do comportamento criaram desafios para os modelos econômicos.

Novas tecnologias também tiveram o potencial de rapidamente desintegrar os sistemas econômicos.

A crítica ao modelo macroeconômico padrão utilizado pelos formuladores de política monetária atualmente, o DSGE (Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico), foi a mesma que vem sendo feita por vários economistas, entre eles o mais destacado é o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, e, no Brasil, em especial por Delfim Netto em seus artigos.

O DSGE ficou tão sofisticado, racional e tão bem absorvido pelos analistas que eclipsou outros modelos.

Os debatedores concordaram que ele falhou em entender a sociedade, na inabilidade de levar em conta o poder político, a cultura e o comportamento das instituições.

Na presente crise econômica, o modelo canônico utilizado demonstrou sua incapacidade de levar em conta fatores como contágio e conexões.

Ficou claro também que o modelo é muito restrito e tem que ser ampliado para avaliar novas fontes de informação e refletir melhor a realidade.

Uma ameaça significativa vem da tendência a ignorar diferenças fundamentais entre presente e futuro.

Outra falha registrada nos debates é não assimilar informações assimétricas e não contemplar a ligação entre instituições e o risco de quebras em cascata.

O desejo dos profissionais de economia de provar que os mercados se auto regulam provocou uma espécie de culto na adoção do modelo DSGE.

Mas a realidade é que os mercados são imperfeitos, como foi demonstrado pela existência de bolhas.

A chegada de novos modelos está ajudando a entender os sistemas econômicos desequilibrados e não harmônicos.

A economia comportamental está trazendo a teoria para mais perto da realidade, e novos campos de estudo, como a neuroeconomia, estão se desenvolvendo rapidamente e prometendo grandes mudanças.

Os participantes recomendaram que se converse mais com cientistas políticos, sociólogos e psicólogos para se avaliar melhor as causas da desigualdade, a economia da felicidade, a importância da cultura, e os efeitos do poder nas decisões.

Felizmente, economistas são pessoas criativas. Muita imaginação está rolando. Robert Schiller, por exemplo, diz que lê muito livros de Direito e de História, para poder compreender o que está acontecendo na economia.

A expressão “que mil flores floresçam”, da velha tradição chinesa que Mao Tse Tung usou na Revolução Cultural, foi usada também no debate em Davos para definir a necessidade de que não pode existir apenas um modelo geral da economia ou apenas uma abordagem.

Com todas as ressalvas e críticas, os economistas continuam tendo muito a oferecer, e é preciso reconhecer que a economia é muito mais complicada do que parece.

Houve uma advertência no fórum econômico de que ao abandonar os dogmas sobre a infalibilidade dos mercados, há o risco de se abraçar ideias estatizantes, igualmente simplistas.

Em outro painel de Davos,com tema semelhante — a economia do século 21 —, outro grupo de analistas ressaltou a necessidade de rever antigas lições que parecem ter sido esquecidas.

Independente da tendência, os economistas terão que se aproximar do mundo real e se responsabilizar por suas previsões.

Esse questionamento, que já se verifica, segundo os painelistas, nas salas de aula, servirá para que os analistas se obriguem a checar várias vezes seus modelos.

A arrogância dos especialistas foi outra característica abordada nesse debate sobre o futuro da economia.

Esses e outros painéis realizados em Davos deixaram nos que os assistiram a sensação de que uma grande reflexão está sendo feita a nível mundial, abrangendo desde os economistas aos empresários e governantes envolvidos na crise econômica.

O Globo, 5/2/2012