Pernambuco, estado de origem do ministro Fernando Bezerra, ter recebido 90% das verbas de combate contra enchentes reflete um hábito dos políticos que ocupam o Ministério da Integração Nacional. Quando o ministro era Geddel Vieira Lima, do PMDB, a Bahia foi o estado que mais recebeu verbas, e assim será sempre que os ministérios forem ocupados por prepostos dos partidos políticos.
Tão mais grave é a descoberta de que, um ano depois das grandes enchentes no Estado do Rio, além do desvio de verbas em municípios para as providências emergenciais, o governo estadual não conseguiu distribuir nenhum centavo do orçamento previsto para a construção de casas populares na região, que agora são anunciadas como prestes a serem começadas.
Esse é um dos muitos problemas que a divisão do Ministério por partidos e por estados provoca. O político entra num ministério desses devendo favores a seus pares, que no final das contas foram os que o escolheram, ao governador que o apoiou, e não ao governo federal e, sobretudo, a um projeto de governo.
Esse problema recorrente só será resolvido quando a composição do Ministério for feita com base em um programa de governo. Para isso não é preciso necessariamente ter um Ministério composto só de técnicos, mas de pessoas com visão técnica dos problemas que a pasta tem de enfrentar. E uma visão nacional, que abranja o país como um conjunto, e não o seu estado ou a região em que atua.
Se não for alterado o critério de ocupação de um ministério como esse, haverá sempre problemas, pois o ministro se sentirá obrigado a ajudar seu estado, seu governador, seu partido, e assim o ministério perde a visão nacional dos problemas, que deveria ser a missão do governo.
A intervenção feita pela Casa Civil, com a ministra Gleisi Hoffmann assumindo o controle das ações do ministério, indica que a próxima reforma ministerial tem mais um candidato à degola.
Mas, certamente, haverá problemas, pois o governador Eduardo Campos, chefe do PSB, partido do ministro, já saiu em sua defesa e na defesa de Pernambuco.
Ele é um dos mais importantes apoios políticos do Palácio do Planalto e, certamente, não quererá que seu partido perca o controle de um ministério estratégico como o da Integração Nacional.
Esse sistema de montagem de governo deve-se a uma "depravação do processo" de formação de um "presidencialismo de coalizão", segundo o cientista político Sérgio Abranches, que, em trabalho de 1988, cunhou essa definição para explicar nosso sistema de governo. Ele parte do princípio de que um país heterogêneo como o nosso vai ser sempre multipartidário, tornando inevitáveis os governos de coalizão. Essa fragmentação partidária reflete a federação e ocorreria do mesmo modo se tivéssemos sistema bipartidário como nos Estados Unidos, onde o Partido Republicano do Texas tem pouco a ver com o Partido Republicano de Nova York.
Com a formalização de uma estrutura multipartidária, a coalizão tem que incluir os partidos que apoiam o governo, e o processo de formação da coalizão é que tem que obedecer a critérios que, com o correr dos tempos, no Brasil foram se corrompendo.
Normalmente a coalizão eleitoral corresponde à coalizão governamental, e é mais raro no mundo do que aqui acontecer de partidos aderirem ao governo depois de apoiar outro candidato na eleição presidencial. Com isso, o eleitor sabe que aqueles partidos que apoiaram determinado candidato apoiam também o programa de governo que foi apresentado na campanha eleitoral.
Os partidos, para dar apoio a um determinado candidato, exigem dele que adote esse ou aquele tipo de política pública, ou até mesmo de posição internacional - menos comum no Brasil, embora a política externa venha se tornando um tema relevante nas campanhas eleitorais, com o progressivo aumento de prestígio internacional do país.
A partir do momento em que um partido vê incluído na plataforma eleitoral de determinado candidato um ponto de seu interesse - como a política de meio ambiente pelo Partido Verde, por exemplo -, ele terá condições de apoiar sua eleição e, mais adiante, ocupará esse ministério que representa sua melhor aptidão.
Da maneira como é feita hoje, a distribuição de ministérios corresponde a interesses eleitorais dos partidos políticos, e não aos seus programas de governo. É difícil entender qual é a especialização exigida para um determinado ministério, já que a troca de partidos obedece mais a interesses imediatos de alocação de aliados do que exatamente à vocação política.
Também o contingenciamento das verbas transforma o Orçamento em uma ação política, e não técnica, e a liberação de verbas virou instrumento de ação do Executivo para conseguir o apoio de setores partidários.
Por isso, tanto o ministro Bezerra quanto o governador Campos alegam que a presidente Dilma sabia da distribuição de verbas para Pernambuco. Talvez não lhe tenha sido avisado que o ministério destinaria 90% da verba para o estado do ministro, mas isso é um detalhe.
Se a partilha de cargos é inevitável no nosso presidencialismo de coalizão, pelo menos se deveria dar tratamento diferenciado aos órgãos partilhados, e não entregar os ministérios de "porteira fechada", como acabou sendo o costume no primeiro ano do governo Dilma.
Outra providência necessária seria a instituição de pré-requisitos para a nomeação para certos cargos, obrigando os partidos a encontrar pessoas minimamente qualificadas para indicar.
A presidente tem uma chance especial para testar novos procedimentos na reforma ministerial que anuncia para breve. Se reduzir o número de ministérios e aprimorar os critérios de nomeações, estará dando passo decisivo para reorganizar a máquina administrativa do país num ano em que as dificuldades econômicas provavelmente serão maiores do que até então.
Talvez os políticos, diante das dificuldades que se prenunciam, rejeitem alguns ministérios, o que pode facilitar a vida da presidente. Mas, infelizmente, o mais provável é que pouca coisa mude.
O Globo, 5/1/2012