O voto útil é a superação do sonho pela realidade. Nessas eleições municipais, que não empolgaram os eleitores nas principais cidades do país, estamos diante de quase 30% de cidadãos em cidades como Rio e São Paulo dispostos a votar em branco ou anular o voto, e outros tantos tão indecisos que podem mudar o voto na última hora.
Mas há um fator em falta mesmo nessa decisão pragmática do voto útil, a confiança em partidos a ponto de o eleitor abrir mão do que seria o candidato preferido em troca de um resignado voto na alternativa menos ruim. Rio e São Paulo, as principais cidades do país, são exemplares deste estado de espírito do eleitor.
Com Marcelo Crivela no Rio e João Dória em São Paulo garantidos no segundo turno, a disputa pelo segundo lugar abriria caminho para o voto útil, mas ele dificilmente acontecerá em sua plenitude, e o maior culpado para isso, além da desilusão com a política, é a crença de uma minoria de que o PSOL é a saída para a desilusão com o PT.
Nos dois Estados, os eleitores dos candidatos Luisa Erundina, em São Paulo, e Freixo, no Rio, recusam-se a admitir o voto útil, que no caso de Erundina poderia ajudar o prefeito Fernando Haddad a tentar uma improvável recuperação.
Já Freixo no Rio, com reais possibilidades de chegar ao segundo turno, comporta-se arrogantemente, como se seus parceiros de esquerda Jandira Feghali, do PC do B, e Alessandro Molon, da Rede tivessem obrigação de apoiá-lo já no primeiro turno. É improvável que isso aconteça, pois o eleitorado de esquerda no Rio dividiu-se radicalmente, até pelo fato de Jandira ter escolhido ser a defensora do PT, chamando para sua campanha os ex-presidentes Lula e Dilma. O resultado foi uma queda acentuada nas pesquisas eleitorais.
O PSOL, que atuou na coligação de esquerda contra o impeachment, parece ter considerado seu papel encerrado. Na análise de Chico Alencar, líder do PSOL, o partido, ainda em formação, com incipiente enraizamento social, quer ser visto, cada vez mais, como alternativa autêntica do campo progressista. Por isso, o PSOL não pretende ser escada para uma improvável recuperação petista.
Mas não é apenas o PT que o PSOL quer ver longe. Na avaliação do PSOL, PDT e PSB também perderam as fronteiras programáticas que tinham, e, ainda que elejam muitos prefeitos e vereadores, não são mais vistos como de esquerda. PV e Rede sequer se assumem como desse campo.
Nos primórdios da campanha, Jandira Feghali, Freixo e Molon anunciaram uma unidade esquerdista que acabou dando em nada, pela impossibilidade de agirem em conjunto. Molon foi o que mais sofreu na indefinição identitária, levando a Rede a lutar contra a cassação da ex-presidente Dilma quando o partido queria o contrário, mas não teve organização para se impor à sua representação congressual.
E Freixo considera-se o salvador da pátria, mas foi taxado de hipócrita por Pedro Paulo, numa troca de insultos que mostra bem o nível da campanha: um assessor de Freixo foi condenado por bater na mulher, acusação com que Pedro Paulo foi bombardeado, mesmo tendo sido absolvido pelo STF.
Do mesmo campo político, Índio da Costa, do PSD, e Osório, do PSDB, rejeitam a candidatura oficial do prefeito Eduardo Paes e lutam até o fim como se cada um deles fosse a alternativa, e não Pedro Paulo, o que pode ajudar Crivela a ter um candidato menos competitivo.
Em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina ataca o prefeito Fernando Haddad como se não fossem do mesmo campo político, e é justamente o que querem demonstrar. Marta é outra vítima da falta de identidade partidária, perde por suas ligações antigas com o PT e também por não ser mais do PT, nem mesmo de esquerda.
Essa disputa facilitou a vida do candidato tucano João Dória, que se apresenta como antipolítico, e pode também levar finalmente Russomano ao segundo turno, mudando a geografia partidária da cidade de São Paulo, que historicamente tem uma disputa polarizada entre esquerda e centro-direita.