A transformação do Orçamento da União de autorizativo em impositivo, com o Congresso atuando diretamente na sua definição; a redução drástica dos cargos em comissão no governo federal; e a adoção de medidas para coibir a proliferação de legendas partidárias são as principais soluções apontadas por políticos experientes para melhorar a relação entre o Executivo e o Legislativo.
O deputado federal Miro Teixeira, do PDT, no Congresso há nove mandatos, defende a profissionalização do serviço público.
"Cargos e comissões de livre provimento seriam limitados ao gabinete do ministro, como no parlamentarismo", define, lembrando que "o serviço é público, não é do governante".
Os 25 mil cargos hoje à disposição do Executivo seriam providos pelo sistema de mérito na carreira do serviço público, com cursos para que o funcionário atinja cargos de melhor remuneração.
"O arejamento se dá com o aperfeiçoamento funcional e também com a mudança da cúpula do ministério, entre eles o controlador e o ordenador de despesas." Essa equipe ditaria a política do ministério, e a estrutura profissionalizada a executaria.
Outro ponto destacado por Miro Teixeira é a questão das emendas de aprovação automática de parlamentares. Para Miro Teixeira, o Orçamento tem que ser impositivo, e não autorizativo como é hoje.
"Como nos Estados Unidos, o debate tem que ser na sociedade. O burocrata que não tem um voto é capaz de fazer o desenho da Transamazônica, mas o deputado está impedido de colocar no orçamento uma grande estrada, mesmo que a fundamentação esteja correta", protesta.
Para ele, o Legislativo está virando um departamento do Poder Executivo. A tramitação das medidas provisórias "deu uma melhorada devido ao Supremo", comenta Miro Teixeira, referindo-se à exigência de que uma comissão do Congresso aprove as medidas provisórias, como está previsto na Constituição.
"As autoridades brasileiras acham que não podem cumprir a Constituição", comenta Miro, lembrando também que o Congresso adotou o hábito de não examinar os vetos do Executivo.
O senador Francisco Dornelles, do PP, acha que a situação melhoraria se os partidos se guiassem por programas para participarem do governo. "Hoje, o governo dá aos partidos um ministério, mas, sem saber que programa vai implementar, a participação fica na base do casuísmo. E o ministro não consegue demitir nem uma secretária", ironiza Dornelles.
Ele lembra que o Parlamento surgiu para votar o Orçamento, mas, como ele é autorizativo, tira toda a autoridade do parlamentar. "Aqui, ao contrário dos países mais desenvolvidos, onde 70% do trabalho é definição do Orçamento, quem define é o Executivo, e, se um parlamentar quiser alguma coisa, tem que negociar com eles."
Da mesma maneira que Miro Teixeira, Dornelles acha que no momento "o Legislativo existe para homologar o que o Executivo quer e recebe umas emendas em trocas, mas essas emendas nem mesmo são liberadas".
Ele acha que a proliferação de partidos não ajuda em nada a fortalecer o Legislativo e é a favor de um esquema que leve normalmente à redução dos partidos, acabando com as coligações proporcionais e com o tempo gratuito de TV durante o ano para todos os partidos. "Essas duas medidas reduziriam o número de partidos e desestimulariam os que só existem para vender seu tempo de televisão."
Mas Dornelles acha que é "impossível" governar sem as medidas provisórias. Ele diz que a Constituição de 1988 retirou do Executivo a capacidade de tomar medidas administrativas por decreto, o que o obriga a aprovar leis, o que provoca o abuso das medidas provisórias.
"Medidas que não aumentem despesas deveriam voltar a ser tomadas por atos internos", avalia Dornelles.
A cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto de Estudos Políticos da Uerj, acha que "o principal instrumento de poder legislativo do presidente, as medidas provisórias, já sofreu limitações que tornaram sua tramitação no Congresso mais visível, com a proibição da reedição e a exigência de prazo de apreciação, com trancamento de pauta, o que obriga a apreciação em plenário".
Com isso, ela acredita que o Congresso e a oposição passaram a ter maiores oportunidades de influir no processo de apreciação.
O processo orçamentário, outra fonte de poder institucional do Executivo, tem sido limitado pelo Congresso por meio das Leis Diretrizes Orçamentárias e dos Relatórios Preliminares, na visão de Argelina Figueiredo. O Congresso também tem garantido, tanto por legislação ordinária quanto por mecanismos regimentais, a obrigatoriedade de gastos em áreas específicas de políticas públicas, principalmente saúde e educação, assim como aumentos do salário mínimo acima das propostas do Executivo.
"O Congresso imprime nessas áreas a sua marca, mas dentro de limites que nunca geraram desastres fiscais, apesar da oposição ex ante dos ministérios econômicos e dos economistas", analisa Argelina.
Para ela, não há como dizer hoje que as emendas parlamentares são responsáveis por qualquer distorção no gasto orçamentário, e por isso defende que devem ser executadas.
"Elas também podem ser um importante canal de informação para o governo, uma vez que os parlamentares não teriam interesse em aplicá-las onde fosse desnecessário". No entanto, a professora do Iesp diz que "elas são o foco da grande imprensa (por sensacionalismo e não pelo impacto que podem causar) e, consequentemente, uma das causas da percepção generalizada de troca-troca entre governo e sua base".
A professora Argelina Figueiredo vê o chamado presidencialismo de coalizão, em que o papel dos partidos se torna cada vez mais importante, contribuindo para que esses exerçam sua influência, juntamente com suas bancadas no Legislativo.
O Globo, 17/4/2012