Com a fina ironia que lhe é peculiar, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan cunhou a frase “no Brasil, até o passado é incerto”, uma decorrência do que um de seus autores preferidos, Millor Fernandes, disse de nosso país: “a cada 15 a 20 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 a 20 anos”. A frase é também atribuída ao jornalista Ivan Lessa, assim como a de Malan o é a outros. É assim com frases marcantes.
Talvez por isso tenha reunido artigos dos últimos 15 anos, para que não sejam esquecidos. E para que o passado seja menos incerto. Intelectual público exemplar, e reconhecido internacionalmente, Malan está lançando pela editora Intrínseca uma coletânea de artigos escritos entre 2003 e 2018, publicados no Estado de São Paulo.
Sua intenção sempre foi analisar a economia em suas relações com a política, e lendo-se o conjunto de artigos, têm-se uma visão completa do que pensa e como age. Com uma cultura multifacetada, encontra no sociólogo alemão Max Weber uma referência para os que, como ele, querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.
Ele, ao longo desses anos, abordou não apenas as questões econômicas, mas elas dentro de um cenário “de uma sociedade ainda injusta, com carências e mazelas sociais que são ética e politicamente incompatíveis com o grau de civilização que acreditamos termos alcançado”.
Desde o primeiro governo Lula, de cuja transição exemplarmente democrática se orgulha de ter participado, vinha advertindo sobre o perigo de que o período comandado por Antonio Palocci fosse apenas uma transição para a implantação do verdadeiro programa econômico do PT, o que se mostrou verdadeiro a partir de meados de 2006, com a saída de Palocci e a chegada de Guido Mantega e sua “nova matriz econômica”.
Malan durante anos alertou sobre a excessiva complacência com que as autoridades lidavam com o equilíbrio fiscal, do qual foi um guardião nos governos de Fernando Henrique Cardoso, em busca de resultados eleitorais imediatos e guiados pela certeza ingênua de que “gasto é vida”, como dizia Dilma.
Foram constantes advertências de que a crise financeira mundial de 2009 não era uma “simples marolinha”, como a definiu o então presidente Lula. No décimo aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal, já antevendo o que viria pela frente, Malan alertava que era necessário resistir às pressões para que ela fosse revogada informalmente, o que acabou acontecendo com os resultados que conhecemos.
Em artigos anteriores, o ex-ministro relembrara a posição do PT contra a lei, baseado na tese de que o equilíbrio social deveria ter prevalência, uma visão equivocada de que os gastos do governo são o motor do desenvolvimento.
Em diversos momentos de seus artigos Malan lamenta a retórica petista, alimentada pelo próprio presidente Lula, um Luis XV ao contrário, de que, antes dele, fora o dilúvio. A tal herança maldita, usada como mote de campanha política permanente, dividiu o país e impediu a continuidade e aperfeiçoamento de políticas que deveriam ser de Estado, e não de partidos.
A visão republicana de Pedro Malan da necessidade de termos “uma certa idéia de Brasil”, como definiu De Gaulle sobre si e a França, pode ser comprovada nos elogios que faz a certas posições atuais do ex-ministro da ditadura militar Delfim Netto, de quem foi ferrenho opositor mesmo antes de iniciar sua vida pública. E da admissão de que os governos petistas avançaram no campo social.
Na apresentação do livro, Malan lista os pontos que gostaria de ver no Brasil de nossos filhos e netos: Uma sociedade que compatibilize, o mais possível, as liberdades individuais; igualdade perante a lei e menor desigualdade na distribuição da renda; setor público mais eficiente, e avanços tecnológicos que propiciem o que Schumpeter considerava o elemento essencial do capitalismo: a “destruição criativa”, que, segundo Pedro Malan, “mostrou-se imbatível na produção de riqueza e na disseminação de acesso a produtos de consumo de massas”.