Carlos Lacerda , o político, mas sobretudo o grande jornalista, numa época parecida com a que vivemos, resolveu escrever sobre a Sociedade Protetora dos Animais.
Lembrando o fato, deu-me vontade de falar de flores. Sousândrade, o grande poeta, precursor do modernismo e um romântico enlouquecido, via na República a solução de todos os problemas. Quando ela veio, em 15 de novembro de 1889, ele anunciou: "República proclamada. Paus d'arcos em flor!". Em seguida, com três adeptos, fanáticos como ele, e um tocador de rabeca, em frente ao Palácio dos Leões, sede do governo do Maranhão, determinou: "Como a República não tem hino, toca a Marselhesa!". E entrou, triunfal.
Alguns anos depois, Saldanha Marinho, também um dos lutadores da mudança de regime, quando viu o rumo das coisas, mesmos problemas, mesmas revoltas, gritou aos sete cantos: "Esta não é a República dos meus sonhos!". Ontem ouvi, num discurso comovente, o senador Mercadante também confessar: "Este não é o meu PT. O meu era o da fundação".
Sei que eu ia falar de flores, e elas nos ensinam muitas lições: de beleza, diversidade, formas, perfumes e inspirações. Também da perenidade, do começo e do fim, da vida e da morte.
Na célebre "Consolação a Du Périer", que perdera uma filha, Malherbe afirmava "tua dor, Périer, será eterna" e dava a ela o destino das coisas mais belas: "Rosa, ela viveu o que vivem as rosas, / O espaço de uma manhã".
Na exploração do mesmo tema, trova brasileira célebre diz que até as flores têm sua sorte, "umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte".
As flores do pau d'arco republicano de Sousândrade, belas e brilhantes, amarelas como ouro refletido, também murcharam e apodreceram. Perderam a cor, a beleza e o perfume.
Debaixo de esperanças e desencantos vivem as pessoas e as flores. Há um certo "spleen" no Brasil atual. De repente, como numa viagem fantástica, mudou tudo: a esperança e o medo. Entramos num labirinto sem desvendar a saída.
Mas estou falando de flores. Os poetas franceses do século 19 as associavam ao desencanto. Foi com esse sentimento que Mallarmé escreveu "de grandes fleurs avec la balsamique Mort" ("grandes flores com a balsâmica Morte") e Baudelaire deu a um dos mais famosos livros do mundo o título de "Flores do Mal", onde confessa que "a alma de um velho poeta esvai-se pingo a pingo, na goteira".
Mas eu vi as flores do bem com Jorge Amado, na segunda Primavera de Praga, quando olhamos a liberdade invadir a grande praça e belas ciganas distribuindo "flores de lótus", que em cem anos florescem só uma vez.
Brasília, na sua aridez, tem belas flores. Flores do cerrado e flores plantadas. Espatódias vermelhas enfeitam caídas os gramados verdes, barrigudas soltam seus pedaços de "duvet" ao vento, quaresmeiras, buganvílias: cada uma a seu tempo.
Quais são as flores de agora? Na Amazônia existe uma planta, a mugueta, que na floresta, de longe, espanta tudo pelo mau cheiro.
Tudo flores, que brilham, morrem e apodrecem. Mas, como disse Camões, "Depois de procelosa tempestade, / Noturna sombra e sibilante vento, / Traz a manhã serena claridade, / Esperança de porto e salvamento" ("Os Lusíadas", Canto 4).
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/08/2005