A característica mais forte da sociedade industrial foi a sua capacidade nunca prevista de provocar um êxodo das populações rurais para as cidades. A relação de outrora -de 80% das pessoas vivendo no campo e 20% nas cidades- inverteu-se vertiginosamente para, em média, 10% no campo e 90% nas cidades. O Brasil não ficou atrás e, hoje, é mais ou menos essa a proporção que apresenta.
O único Estado brasileiro em que quase a metade da população vive no campo é o Maranhão e, por isso mesmo, ele paga nas estatísticas os índices baixos, que nada mais são do que não entrar no cômputo econômico essa gente que vive em regime de subsistência, sem a sedução do consumismo das metrópoles. O resultado é um maior nível de igualdade. Isso faz com que o Maranhão tenha a melhor distribuição de renda do Nordeste. O fosso entre ricos e pobres é menor. Se pudéssemos perguntar onde o homem era mais feliz, se no campo ou se na cidade, certamente a resposta seria no campo, onde não há os problemas das periferias, da insegurança, da miséria e da fome, onde o mundo da pobreza descamba para o crime, para as drogas e para toda a espécie de degradação humana.
E ninguém escapa desse clima: ricos e pobres, remediados e biscateiros.
Veja-se o que acontece agora na Inglaterra. O sonho de felicidade e sublimação dos céus na terra era o príncipe encantado. Pois agora ser príncipe é sinônimo de viver no inferno. Olhe-se para o príncipe Charles. Dizem os jornais que está um noivo nervoso, "completamente fora de si", como dizem os tablóides londrinos. "Tudo o que poderia dar errado deu errado", ele reclama, triste. A noiva já não é tão nova, o amor já é bem velho e sua beleza há muito se foi. O povo aprova e desaprova sua conduta. Sua mãe está acabrunhada e depressiva, e seu pai, sempre de mau humor, está pior. E casamento real, que era coisa de cinema, agora está mais para velório do que para gaita de fole escocesa. Para completar, Bush diz que não pode receber oficialmente a futura esposa do príncipe Charles na Casa Branca porque é fora do protocolo.
Ó cidades, ó tempos, ó costumes!, diriam os antigos. E, para arrematar nossas preocupações com o que acontece com o processo de urbanização, surge a noticia de que os bichos também estão migrando para as cidades. Só no Rio de Janeiro, em 2004, foram apreendidas pela polícia 725 cobras, uma delas atravessando a ponte Rio-Niterói, sem pagar pedágio. Gambás foram 126, macacos, 85, jacarés, 47, preguiças, 43, ouriços, 46, baleias, sete, além de pingüins, leões-marinhos e outros bichos menos votados. Se acrescentarmos os que entraram clandestinamente e burlaram os soldados, a situação é bem pior.
A invasão das cidades por animais mostra que a civilização industrial ainda está em marcha.
Enquanto isso, o nosso presidente Lula faz uma demonstração de que não deseja revanchismo e determina a um auxiliar que lhe dava uma dica que, "se for verdade o que sussurram sobre coisas do passado", fique de bico calado. Se fôssemos tomar as coisas ao pé da letra, se fosse mentira, poderia falar à vontade. Faz parte do cargo o presidente apanhar pelo que diz e pelo que não diz.
E, para completar, vem um ouriço Pascal Lamy, candidato ao posto de diretor da OMC, e diz que quer a Amazônia para o mundo. Tem resposta? Tem: vá tomar banho!
Folha de São Paulo (São Paulo) 04/03/2005