O distanciamento entre o que querem e pensam a sociedade e os políticos é um fenômeno da nossa pós-modernidade que surge a cada momento em diversas partes do mundo. Agora mesmo, temos exemplos desse divórcio tanto no plano nacional, com o caso do (ainda) ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, quanto no internacional, com as dificuldades que estão surgindo na reunião de Durban sobre meio ambiente.
Nos dois casos, o que os políticos pensam ou têm capacidade de decidir não corresponde aos anseios dos cidadãos, que não têm capacidade de decidir, mas ampliaram muito a capacidade de vocalizar sua insatisfação por meio dos novos meios tecnológicos, amplificando o desentendimento.
O (ainda) ministro petista disse ontem que é necessário ter "cautela com o jogo político", sugerindo que está sendo vítima de um ataque de adversários. Mas garantiu que está "tranquilíssimo", e que já deu todas as explicações à presidente Dilma. É uma estranha maneira essa de um político se comportar, achando que basta dar satisfações à sua chefa imediata, desprezando a opinião pública.
O correto seria que voluntariamente fosse ao Congresso dar satisfação aos deputados e senadores, em vez de mobilizar a base aliada do governo para impedir a convocação oficial.
E não é apenas Pimentel ou a própria presidente Dilma que se distancia da opinião pública ao agir assim. Também a base aliada no Congresso, sujeitando-se aos interesses pessoais de um ministro, enfraquece-se mais ainda, explicitando sua subordinação ao Executivo.
A presidente Dilma está tendo uma dificuldade inimaginável para aprovar alguns poucos projetos de interesse do governo, já que tem uma maioria teórica de praticamente 70% do Congresso.
Mas vai ter que negociar até o final do ano para passar a DRU, o projeto mais importante para o Palácio do Planalto, pois permitirá ao Executivo utilizar com mais flexibilidade 20% do Orçamento, sem se submeter a exigências legais.
Quanto mais o Congresso se fortalece nas chantagens do dia a dia contra o Executivo, mais se enfraquece diante da opinião pública, que o vê exatamente como ele aceita ser: um mero homologador das decisões do Executivo, apenas exigindo algumas vantagens para grupos bem representados, ou mesmo um ou outro líder individual com capacidade de mobilizar aliados.
O jogo político que se joga atualmente restringe aos grupos ou políticos mais influentes a capacidade de decisão, e por isso existe a disputa por ministérios.
Não há um partido que tenha assumido um ministério para realizar um projeto, apenas representantes de partidos ou de corporações que estão ali para fortalecê-los em seus projetos político-eleitorais.
A democracia representativa vai perdendo, assim, sua capacidade de refletir a vontade do cidadão, e os interesses pessoais ou corporativos se sobrepõem aos da coletividade.
Um novo acordo sobre as mudanças climáticas pode ser alcançado em Durban, na África do Sul, onde representantes de quase 200 países estão reunidos na COP-17, encontro sobre o clima da ONU.
Mas, pelos textos que circulam por lá, a melhor hipótese é que se consiga um "kyotinho", que é como está sendo conhecido o documento que pode ser aprovado.
"Kyotinho", na definição de diplomatas, seria uma segunda fase de compromissos do Protocolo de Kyoto em que basicamente a Europa, que hoje responde por 16% das emissões, quando muito, manteria seus compromissos, apesar do risco de outros países - Japão, Russia, Canadá e Austrália - que agora formam com os EUA o chamado "umbrella group" não aceitarem.
Em troca, o grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) acenaria com a aceitação de "fazer mais" em termos de mitigação e de aceitar no futuro (2020) metas obrigatórias, desde que os EUA também aceitem.
Pelo acordo que se esboça, o Protocolo de Kioto, que prevê metas de redução nas emissões de gases do efeito estufa, seria prorrogado até 2020, quando então entraria em vigor um novo acerto que deve ser concluído até 2015.
O documento ainda tem acertos a serem feitos, na tentativa de superar a resistência de alguns dos maiores poluidores do mundo - notadamente EUA, China e Índia.
O relato das dificuldades é do deputado federal do Partido Verde Alfredo Sirkis, que está na reunião de Durban na qualidade de vice-presidente da Comissão de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional.
Ele esteve há três semanas na reunião do Basic, em Pequim, e logo depois num debate em Bruxelas, no Parlamento Europeu, tudo relacionado com a COP-17, e está preocupado com o distanciamento entre o acordo viável entre os países e a realidade.
"Enquanto isso, continuam aparecendo dados cada vez mais graves sobre os efeitos exponenciais do aquecimento global já ocorrido: liberação massiva de gases de efeito estufa (GEE) no derretimento do permafrost (tipo de solo do Ártico), na recente seca da Amazônia, na acidificação dos oceanos, que além disso vão perdendo sua capacidade de absorver CO2. São dois mundos à parte: o do que a ciência trata e o que o processo COP negocia. Universos paralelos. Coisa de filme de terror".