Há muitos anos, em Pinheiro, minha terra natal, perguntei a um missionário italiano, padre Sandro, os caminhos que o haviam trazido àqueles campos. Era querido da população, respondeu-me: “O amor de Deus”.
Ele fora escolhido para a felicidade dessa missão. Era Deus que o amava mandando-lhe ajudar os homens, na expressão de São João. Sabia de sua saúde comprometida e dos seus imensos sofrimentos.
Recordei uma carta célebre do padre Vieira a dom João IV, de quem era confessor, onde ele diz: “Se torcessem minha batina, em vez de suor, sairia sangue”.
Na semana que passou houve a celebração de Pentecostes, quando o espírito de Deus, como uma “língua de fogo”, desceu sobre a terra. Eu fui à missa das velas do padre Moacyr Anastácio, vigário da paróquia de S. Pedro, em Taguatinga, uma das cidades satélites de Brasília. Ali, no descampado do cerrado, uma multidão de 1 milhão de pessoas, numa das maiores manifestações religiosas de Brasília, ouvia um sacerdote carismático, contando os “S” e tropeçando nas concordâncias, pregar sobre a força da oração, dos milagres de Cristo e de sua conversão de Pentecostes.
Realmente, sua história é fascinante, neste mundo de valores materiais e do gozo paroxístico do consumismo. Padre Moacyr chegou a Brasília com 17 anos, analfabeto, no caminho do alcoolismo, das drogas, da perdição que o levaria a ser mais um marginal nesses presídios infames do Brasil.
Numa madrugada, ele conta, perambulando, abriu-se a porta de uma igreja. Ele entrou e encontrou um grupo de oração e velhas que disseram que o esperavam para convertê-lo. Saiu dali, procurou o Seminário de Anápolis, onde pediu para ser preparado, a começar da alfabetização. Depois de quatro anos, frustrado, foi mandado embora por não possuir condições intelectuais de chegar ao sacerdócio. Não desistiu. Foi para outro seminário, depois de 12 anos ordenou-se. Foi mandado para uma igreja isolada no Vale do Amanhecer – célebre comunidade espírita de Goiás. Hoje, em Taguatinga, reúne multidões para ver sua fé, ouvir suas palavras e receber sua benção. São pessoas na busca de uma graça, de uma esperança, de um milagre. Ele não faz nenhuma apelação: prega e ora. É um homem comum. Não é um místico, mas a força de sua fé o transforma.
Entre a multidão que assistia à missa de Pentecostes rezada pelo padre Moacyr no último domingo estávamos Roseana, Marly e eu, e foi a vela abençoada por ele que eu acendi no hospital Einstein durante a operação de minha filha, com a mesma fé da minha infância e da minha velhice.
Jornal do Brasil, 5/6/2009