Em agosto de 1954, exatamente no dia 5, completando agora 50 anos, ocorreram o atentado da rua Tonelero a Carlos Lacerda e a morte do major Rubens Vaz, início do processo que levaria à morte de Vargas. Lacerda foi o maior orador parlamentar que conheci. Ele sabia ser violento, contundente, sarcástico e temerário. Mas era brilhante.
O Getúlio Vargas do seu segundo governo não era mais o mesmo. Desaprendera a lidar com crises e especialmente a conviver com os militares que, vindos da guerra, traziam idéias democráticas.
Sua formação era caudilhesca. Desconfiado dos militares, abandonou sua segurança institucional e criou uma guarda pessoal, nos moldes da que tinha em São Borja, acostumada a surrar e a matar adversários, tendo seu irmão Beijo como patrão. Quem a pagava era Adhemar de Barros. Como chefe do grupo, Gregório Fortunato, o "anjo negro", já provado em truculências no Rio Grande, onde, para punir os autores de pasquins, deu surras e botou para correr adversários.
Os Vargas foram educados na cultura da violência. Em Ouro Preto, Viriato, Protásio e Getúlio, estudantes, participaram de rixa em que saiu assassinado um colega, Carlos de Almeida Prado. Aberto o processo, Getúlio foi excluído de culpa por ser menor de idade -14 anos. Os seus irmãos, Viriato e Protásio, fugiram e foram acobertados por Pinheiro Machado, muito ligado ao general Manuel Vargas, pai dos rapazes.
Quando Kennedy foi assassinado, o juiz Warren, da Corte Suprema, grande patrimônio moral do país, foi encarregado de proceder à investigação, que chegou à conclusão exata dos fatos. Mas a última frase do seu trabalho é: "Essa é a verdade, mas sempre será confrontada, mesmo daqui a cem anos, com outras falsas verdades e especulações".
No caso do atentado da rua Tonelero, a verdade é que Gregório Fortunato, incentivado pelo general Mendes de Morais, por Beijo Vargas, por Danton Coelho e por Euvaldo Lodi, escolheu o método que vigorava em São Borja.
Lacerda vinha de uma reunião política. Tinha grande apoio da oficialidade militar que lhe dava segurança. Naquela noite, era acompanhado do major Rubens Vaz. Os homens de Gregório, que vigiavam Lacerda sempre, seguindo os seus passos, estavam na tocaia em frente ao seu apartamento. Quando ele apareceu, desfecharam-lhe um tiro que pegou no pé. O major Vaz avançou na direção do pistoleiro, tentou arrancar-lhe a arma e recebeu dois balaços. Essa é a verdade.
Aí começa a agonia de Getúlio, com investigações que chegam logo à sua guarda pessoal, tendo à frente Gregório Fortunato. José Louzeiro escreveu um livro investigativo, "O Anjo da Fidelidade", sobre Gregório. Toda a história documentada está escrita ali.
Agora, Alcino - o matador - voltou à rua Tonelero e disse que o tiro que matou o major Rubens Vaz foi de Lacerda e que este baleou a si mesmo para forjar o atentado. Eles estavam ali para fazer graça a Lacerda. A quem viveu aqueles dias - como eu -, essas versões causam asco.
O tiro que matou o major Rubens Vaz matou Getúlio. E o tiro que Getúlio deu no peito matou a UDN. Coisas do passado.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) 06/08/2004