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Um jogo nada divertido

 

Os psicopatas estão na moda, sendo muito lembrados pelos que gostam de fazer analogia entre a bem-sucedida novela de João Emanuel Carneiro e a política atual.

Graças ao desempenho de dois grandes atores com suas duplas personalidades na novela “A regra do jogo” — José de Abreu como respeitado empresário e, ao mesmo tempo, chefe de uma facção criminosa, e Alexandre Nero, como “herói do povo” e bandido —, os psicopatas estão na moda, sendo muito lembrados pelos que gostam de fazer analogia entre a bem-sucedida novela de João Emanuel Carneiro e a política atual.

Ela teria inspirado aqueles vilões, guardadas as devidas proporções, já que as semelhanças estariam mais na maneira de se comportar do que nos atos ilícitos e nas transgressões em si, bem mais perversos. Como sou leigo no assunto e não quis comprometer meus amigos psi pedindo opinião, recorri a outras fontes para me informar sobre portadores desse transtorno psíquico, que varia de gravidade, atingindo o grau máximo nos assassinos em série e o menor em pessoas ditas normais.

Para Robert Hare, autoridade mundial em psicologia criminal, a única característica comum a todos é a “falta de emoções”. Mas há outros traços. São pessoas que aparentam ser de um jeito e são o contrário, parecem sérias, às vezes boas e generosas, mas sentem a compulsão pelo mal.

Desenvolvem uma forma especial de cinismo, que os torna capazes de enfrentar impassíveis qualquer evidência adversa e de negar os fatos mais convincentes e indiscutíveis. Sagazes e inteligentes, alguns se notabilizam pelo poder de manipular os outros, de não admitir o que fizeram de errado e pela ausência de culpa, remorso ou arrependimento, o que impede a regeneração.

É possível até que acreditem nas próprias mentiras e invenções. O psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, pioneiro na pesquisa em psicopatia, elaborou um ranking que começa com os menos graves e mais comuns, “os psicopatas primários”, que são imunes à tensão e insensíveis à desaprovação. “As palavras parecem não ter o mesmo significado para eles que têm para nós”.

Enquanto me informava sobre o tema, comecei a procurar no noticiário político semelhanças entre personagens da realidade e da ficção, tipos que poderiam sair diretamente do “Jornal Nacional” para a novela das 9. Felizmente, não encontrei quem pudesse ser enquadrado na perigosa categoria de “psicopatas descontrolados”, conforme classificação do dr. Cleckley. Ainda bem.

Em compensação, não foi difícil esbarrar em quem iria para o grupo dos “primários” e dos “carismáticos” — seres ambiciosos e sem escrúpulos, dotados de talento para a persuasão e craques em manobras e artimanhas. São frios e impassíveis mesmo diante de situações embaraçosas.

O leitor pode participar desse jogo de identificação. Mas, cuidado, faça como eu, não dê nome aos pacientes para não ser processado por exercício ilegal da medicina.

O Globo, 20/02/2016