O HOMEM É um ser violento.
Seu grande desafio foi como organizar-se em sociedade e estabelecer um sistema de convivência que tornasse possível a vida em comum.
Fukuyama chamou de "Fim da História" o momento em que se consolidou um sistema liberal democrático de governo capaz de assegurar uma sociedade de paz, justa e humana.
Mas a democracia é um sistema conflituoso. É quase impossível conviver numa sociedade com tantas contradições. O milagre de chegarmos ao Estado democrático foi a longa caminhada para um autogoverno, um regime de harmonia de Poderes, divididos entre Executivo, Judiciário e Legislativo, um controlando o outro, num regime de pesos e contrapesos.
O Brasil já atravessou o gargalo institucional e chegou a esse patamar. Mas suas instituições ainda são frágeis. No Império, foi possível formar-se este grande país, construir a unidade que tem, tendo como base estruturadora o Poder Moderador, que nas crises se mostrou extremamente eficaz. Ele era exercido pelo imperador, o Conselho de Estado e o Senado Vitalício -importante para assegurar o sentido de estabilidade de que necessitava uma nação em formação.
Veio a República e, na falta do Poder Moderador para essa função, apropriaram-se dela as Forças Armadas, com intervenções sucessivas no processo político. Chegou-se mesmo a construir uma tese de que esta era a "destinação histórica das Forças Armadas", como definiu em livro o almirante Custódio José de Mello.
Acontece que, numa democracia liberal amadurecida, a sociedade continua conflituosa, e ela só funciona com esse "poder harmonizador" exercido pelo Judiciário, guardião da Constituição e da Lei, expressão do pacto social. É o exemplo dos Estados Unidos, a mais conflituosa de todas as sociedades democráticas, impossível de existir sem uma Justiça forte.
O ministro Jobim, recordo bem, no dia da posse como presidente do STF, reclamou da deformação brasileira de querer que "a Justiça arbitrasse a luta político-partidária". Isso deforma o embate e envolve a Justiça na política, o que é um mal.
Agora vemos o problema da fidelidade partidária, que devia ser resolvido pelos partidos, não pela Justiça. Não há um só estatuto de partido que considere a perda de mandato pela troca de legenda. A verdade é que não há fidelidade partidária porque não há partido, e ninguém pode ser fiel ao que não existe.
A decisão do STF, contudo, tem uma vantagem e uma mensagem muito clara. "Façam a reforma política; se não fizerem, nós a faremos". Não há dúvida de que é uma boa coisa, mas um conflito à vista.
Folha de S. Paulo (SP) 5/10/2007