O relatório do Banco Mundial sobre violência na América Latina é de deixar frio nos ossos. E, pior ainda, de nos esquentar a consciência por termos perdido no Brasil a oportunidade de abolir o comércio de armas.
São 140 mil homicídios por ano e o Brasil contribui com 40 mil. É mais do que uma guerra porque é uma conivência da sociedade inteira em que os que mais desaparecem são os jovens. São eles – entre 17 e 24 – os que mais matam e morrem.
Mas a revelação maior é a que o nosso continente é dominado pelo crime organizado, por narcotraficantes e pela guerrilha política. Esta, numa etapa que já julgávamos superada, ressurge agora no Peru, com o Sendero Luminoso (caminho iluminado), de nome tão belo e de objetivos tão maus. Desaparecido no Peru, onde causou 70 mil mortes, como um movimento bem característico do passado ideológico marxista, agora é um braço do narcotráfico de obscuras tintas políticas.
Como fóssil das guerrilhas, ainda as Farc sobrevivem, agonizantes, mas sempre tentando semear adeptos, fazendo com que a Colômbia ainda tenha a maior taxa de mortalidade por armas.
Tivemos os tupamaros no Uruguai, os montoneros na Argentina, o MIR no Chile, a Frente Sandinista na Nicarágua, Farabundo Martí (FMLN) em El Salvador, Junglecomando no Suriname, os bonis na Guiana Francesa, enfim, um continente armado. A democracia teve a força de converter esses grupos aos valores da liberdade, da não violência, à força do voto. Muitos deles vieram a ser governo constituído, e como exemplos o presidente recém-eleito de El Salvador, Mauricio Funes, da FMLN, e Ortega, na Nicarágua, embora este não se tenha convertido. Ainda agora, nas notícias da prisão de Víktor Bout, russo conhecido como o Mercador da Morte, foi apontado o porto nicaraguense de Corinto, no Pacífico, como a maior entrada de armas da área, onde Exército e polícia fazem vista grossa. E mais doloroso ainda, armas altamente sofisticadas, como fuzis Kalashnikov iguais aos 100 mil comprados pela Venezuela ou os lança-foguetes RPG-7, que substituirão as velhas armas que transferem ao crime organizado nas cidades onde assaltam, matam e sustentam o narcotráfico.
A nossa tríplice fronteira com Argentina e Paraguai também está nesta linha e é acusada de ser uma das maiores responsáveis pela entrada de armas.
A violência, suas causas e seus meios ainda necessitam de uma tomada de decisão política forte. O convívio com a morte criminosa nos torna indiferentes e, assim, coniventes. Precisamos tirar as pedras em que se transformaram nossos corações.
Folha de S. Paulo, 29/5/2009