O presidente Michel Temer talvez não tenha entendido ainda, ou não possa entender por circunstâncias de sua vida política passada, que a principal tarefa à frente do país nos próximos anos não é restabelecer as bases de uma economia minimamente organizada, mas é, sobretudo, restabelecer a confiança da sociedade no governo. Sem essa credibilidade, não há medida econômica que dê certo, nem haverá facilidades para aprovar medidas impopulares, mas necessárias, no Congresso.
Ele já deu muitos passos em falso na formação de seu ministério, entre eles nomear políticos que estão sob a mira de investigações, alguns consertou a tempo, mas o que incomoda é que muitos deles se referem à maneira de tratar a Operação Lava-Jato. Quando escolheu o advogado Antonio Mariz para ministro da Justiça, sabia, até mesmo porque Mariz assinou manifesto contra as delações premiadas, e por ser seu amigo, que ele tinha críticas à atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio Sérgio Moro.
Tê-lo escolhido já era uma sinalização contrária ao que queria a sociedade. O recuo não apagou a sensação de que alguma coisa estava errada. A substituição do chefe da Polícia Federal, Leandro Daielo, também chegou a ser cogitada, e houve até listas de candidatos. A repercussão foi péssima, e o novo ministro da Justiça Alexandre Moraes garantiu a permanência de Daielo à frente das investigações.
Mais adiante, Moraes sugeriu que Temer poderia não escolher o primeiro da lista tríplice na definição do futuro Procurador-Geral da República. Foi desmentido, mas ficou no ar a tentativa de incluir na escolha do chefe do Ministério Público critérios que não sigam a tradição republicana utilizada recentemente.
Agora, surge a gravação do ex-ministro do Planejamento Romero Jucá com o ex-senador Sérgio Machado, revelando um desejo de organizar uma grande concertação para delimitar a ação da Lava-Jato e “parar essa sangria”. Como o PT e o PMDB são os grandes cúmplices na partilha da corrupção na Petrobras, sempre houve a desconfiança de que, chegando ao governo, o PMDB tentasse controlar as investigações.
Foi de que o PT acusou o antigo cúmplice, e agora, com a revelação do diálogo entre dois peemedebista de escol – Sérgio Machado foi o homem de Renan Calheiros na Transpetro durante uma dezena de anos -, vem o PT à público reafirmar que o “golpe” está revelado, o impeachment só serviu de pretexto para paralisar a Lava-Jato.
De fato, parece que todos os envolvidos querem, de uma maneira ou de outra, "delimitar" as investigações. Foram encontrados em diversos computadores de empresários presos indícios de tentativa de desacreditar a Lava-Jato. Os petistas fingem esquecer que há conversas gravadas com autorização judicial em que o ex-presidente Lula critica a tentativa da Polícia Federal de buscar “autonomia" e diz que os procuradores da República acham que "são enviados de Deus".
Em uma conversa com o senador petista Lindbergh Farias, o ex-presidente Lula diz a certa altura: “O problema é que nós temos que nos fazer respeitar. Um delegado não pode desrespeitar um político, um senador ou um deputado! Sabe? Não tem sentido! Um cara do Ministério Público tem que respeitar! Todo mundo quer autonomia”.
Com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, Lula diz que "esses meninos da Polícia Federal e esses meninos do Ministério Público […] se sentem enviados de Deus”, o que classifica de “uma coisa absurda”. Lula se diz, na conversa, “a chance que esse país tem de brigar com eles pra tentar colocá-los no seu devido lugar. Ou seja, nós criamos instituições sérias, mas tem que ter limites, tem que ter regras”.
À exemplo de Jucá, Lula também queria delimitar o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal. E, por fim, mas não menos importante, a presidente afastada está sendo investigada por obstrução da Justiça, de acordo com a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral.
Dilma pediu que seu então líder no Senado tivesse uma conversa com o candidato a ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para que ele se comprometesse a soltar alguns presos da Lava-Jato ligados às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, entre eles o presidente Marcelo Odebrecht.
Em julgamentos de habeas corpus na 5ª Turma do STJ, onde Ribeiro Dantas foi relator dos processos relacionados à Lava Jato, ele votou pela liberdade em cinco casos, e foi derrotado.
Como se vê, só a sociedade quer o sucesso da Operação Lava-Jato, pois vê nela a saída para uma reorganização do esquema político-partidário que comanda esse presidencialismo de coalizão que se arruinou ao longo do tempo pela corrupção.
Se o presidente Michel Temer não entender isso, ou não tiver condições políticas de entender, vai ser tragado pelos acontecimentos, o que não quer dizer que o grupo político afastado do poder deva ser absolvido.