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Tentando se salvar

 

O presidente Bolsonaro disse a assessores, conforme apurou o colunista Tales Faria, que estava nomeando o senador Ciro Nogueira para a Casa Civil porque precisava “salvar o governo”. Na verdade, quer salvar a si mesmo. No momento em que enfrenta adversidades como as fraudes reveladas pela CPI da Covid, os mais de 550 mil mortos pela pandemia, o escândalo das vacinas, a corrupção no Ministério da Saúde, a queda de popularidade e os cerca de 130 pedidos de abertura de processo de impeachment na Câmara dos Deputados, ele temia e teme um fim semelhante aos de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Essa busca de salvação levou-o até a perdoar o que o agora nomeado disse há quatro anos: “Bolsonaro tem um caráter fascista, preconceituoso”. O alvo da ofensa minimiza o episódio. “Vi o vídeo”, ele confessa e implicitamente dá razão a quem o ofendeu. “As coisas mudam. Tive posições no passado que não assumo mais hoje.” Será que não? Era importante revelar quais eram para se poder comparar com as atuais.

Mais grave, porém, foi o que o presidente deixou de mencionar, que o presidente dos Progressistas (favor não rir da contradição) é objeto de pelo menos cinco investigações da Lava-Jato. Para citar apenas uma delas, há a que apura a delação premiada de Leo Pinheiro, então presidente da OAS, confirmando haver uma relação próxima entre a cúpula da empresa que presidia e o presidente do PP.

“Houve”, informou então, “o café da manhã na casa de Ciro Nogueira, no qual foi acertado o pagamento de R$ 1 milhão, que foram em duas parcelas de R$ 500 mil ao partido”. Mensagens apreendidas pela PF no celular do empreiteiro confirmam que o encontro ocorreu no dia 6 de agosto de 2014. No final daquele mês, Eduardo Cunha, aquele mesmo, de triste memória, fez uma cobrança a Leo Pinheiro em nome de Ciro Nogueira, conforme mensagem registrada no celular do antigo presidente da Câmara.

Como é dando que se recebe, Flávio Bolsonaro está aproveitando para negociar o ingresso do pai na agremiação de Ciro Nogueira. A relação de Bolsonaro com os partidos tem exposto a volubilidade de suas convicções políticas. Ele conta, como se fosse uma proeza, como pulou de galho em galho: “Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB, fui do então PFL. No passado, integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB”.

Agora, é com orgulho que confessa: “Sou do Centrão, nasci de lá”. O mesmo que ele classificava como “a pior coisa”, e o general Augusto Heleno rimava com ladrão. Se ele exalta hoje o que no passado abominou, por que não nomear algum representante das milícias? Em 2008, como deputado federal, as recebeu assim: “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. (...) O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de droga”.

Por falar nisso, Queiroz, o das rachadinhas com Flávio, reapareceu na internet reclamando de abandono e ameaçando: “Minha metralhadora tá cheia de balas”.

Mas tudo indica que ele não vai usá-las. Seria apenas mais uma chantagem.

O Globo, 27/07/2021