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Temer amarra governadores

 

O presidente interino Michel Temer está fazendo uma manobra de alto risco ao firmar rapidamente um acordo sobre as dívidas dos Estados, dando aos governadores uma anistia até o final do ano, e reduzindo paulatinamente a dívida nos outros 18 meses. Resolveu em poucos dias o que a presidente afastada Dilma Rousseff não resolvera em anos.

Pode-se atribuir à incapacidade de negociação política de Dilma essa mudança súbita de atitude, ou, ao contrário, à tarimba do presidente Temer, mas fica também possível a narrativa dos apoiadores do antigo governo de que na verdade o perdulário é Temer, e não Dilma.

Na verdade, é impossível afirmar que Dilma não foi descuidada e perdulária no trato da coisa pública, mas é possível estranhar de onde o governo Temer tira tanto dinheiro para fazer acordos com diversos setores, inclusive com aumentos salariais, num momento em que tenta viabilizar um limite dos gastos públicos. Estaria aí o aumento do déficit público para R$ 170 bilhões?

O fato é que o presidente interino amarrou os governadores ao sucesso de sua política econômica, pois somente se o país voltar a crescer será possível compatibilizar esse acordo de agora com as finanças abaladas do país.

A promessa de incluir os Estados no decreto que limita os gastos governamentais é também uma boa ajuda aos governadores, que serão obrigados por lei a cortar custos, revertendo erros que eles mesmo cometeram quando achavam que a bonança econômica seria eterna.

Como no verso de Vinicius de Moraes, foi eterna enquanto durou, e agora os governadores pagam o preço da desídia com que trataram o dinheiro público. O lado político do acordo com os governadores ainda tem a vantagem de conseguir um apoio no Congresso para a aprovação de medidas econômicas que darão uma direção ao futuro da economia brasileira, sinalizando para os investidores que o governo interino tem forte apoio no Congresso e, efetivado, terá condições para reequilibrar as finanças.

O programa de concessões e privatizações será lançado brevemente, a partir do momento em que os sinais advindos das aprovações no Congresso garantam aos investidores uma perspectiva segura.

Várias medidas liberalizantes estão em vias de aprovação no Congresso, como a possibilidade de empresas aéreas estrangeiras poderem adquirir até mesmo 100% das nacionais, e o fim da obrigatoriedade de a Petrobras investir pelo menos 30% em todos os campos de petróleo que forem licitados, sendo a operadora da exploração.

O novo presidente da Petrobras, Pedro Parente, já disse com todas as letras que a estatal não tem condições de exercer essa obrigação, e o projeto do senador e atual ministro das Relações Exteriores  José Serra ainda dá o direito de a estatal decidir quando exercerá esse direito, isto é, permitirá que a empresa decida qual o momento ideal para ser a controladora da exploração, e quando ela, por razões próprias, abrirá mão desse privilégio que a lei lhe concede.

Há também o interesse da Petrobras de abrir mão da exigência de conteúdo nacional, que até agora só fez aumentar os custos dos equipamentos, e não conseguiu viabilizar uma indústria naval artificialmente montada. Todas essas sinalizações, espera o governo, darão confiança aos investidores de que o país vai no sentido de estimular os investimentos e buscar parcerias com o setor privado para voltar a crescer.

Conspiração

Brasília está cheia de teorias conspiratórias na véspera do pronunciamento do presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha. Além de relatos de que ele estaria pressionando o presidente Temer para uma solução, e até mesmo PSDB e DEM para que mudem seus representantes da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, há quem veja no recuo de seu velho aliado Maranhão não uma traição, mas uma colaboração para não aumentar a chance de o Supremo Tribunal Federal optar pela prisão de Cunha diante de manipulações seguidas.

O julgamento do plenário cairá em pleno recesso, e dificilmente haverá quórum para cassá-lo naquele momento, dando-lhe uma sobrevida. O mesmo objetivo, aliás, teriam tido Tia Eron e Wladimir Costa , que votaram contra Cunha no Conselho de Ética.

Segundo essa versão, Tia Eron votou contra Cunha para fazer-lhe um favor, e Wladimir da mesma forma, além de evitar que os louros fossem para o presidente da Comissão, José Carlos Araújo, que desempataria contra Cunha.

Tais teorias conspiratórias só demonstram que o presidente afastado da Câmara mantém intacta pelo menos a mística em torno de sua invencibilidade. Hoje teremos uma ideia mais clara de até onde vai o mito e como a realidade se imporá, caso ele renuncie à presidência da Câmara para tentar salvar a pele.  

O Globo, 21/06/2016