Nossas relações com os EUA foram sempre de altos e baixos. Não uma incompatibilidade de gênios, mas uma intolerância de comportamentos. Nessa relação, houve momentos românticos e instantes de rusgas.
No princípio, amor demais.
Foram o primeiro país a defender a independência do Brasil. Com Joaquim Nabuco, o primeiro diplomata a representar-nos ali, um tempo de sonhos. O Brasil seria os Estados Unidos da América do Sul e o amor era tanto que o então secretário de Estado americano, Elihu Root, veio ao Rio de Janeiro e foi recebido com grandes homenagens.
Uma demonstração de prestígio, pois não existia diplomacia presidencial e as relações entre os países seguiam os trâmites formais e burocráticos dos ministérios das Relações Exteriores de cada país.
Era o tempo das "notas" que substituíam o aperto de mão. Rio Branco também via nos americanos uma relação que devíamos conquistar.
Tivemos o tempo totalmente oposto a esse lado quando o amor foi substituído pelo ódio. O Tio Sam seria o responsável por todo nosso atraso e maior explorador de nossa pátria.
Com a Segunda Guerra, Vargas, depois de ter superado sua fase de namoro com a Alemanha e a Itália, decidiu-se pela causa aliada e mandamos tropas para lutar ombro a ombro com os EUA na Europa. Com a Guerra Fria e a Cortina de Ferro, termos atribuídos a Churchill para definir a confrontação comunismo versus capitalismo, foi o tempo do antiamericanismo odiento.
A ideologia envenenava nossas relações e, pouco a pouco, estávamos como cão e gato. Diziam que a CIA, a agência de inteligência americana, fazia de tudo para espionar o Brasil e articular crises políticas e golpes militares.
Com a instalação do comunismo em Cuba, as coisas pioraram, porque a Revolução Cubana invadira o continente latino-americano e conduzia o enfrentamento com a simpatia que conseguiu popularizá-la entre os jovens.
Quando fui presidente da República, procurei despassionalizar nossos vínculos, estabelecendo uma relação madura, sem preconceitos. No caminho, estavam os óbices criados pelo choque de interesses econômicos que passamos a ter, com um contencioso explosivo.
A visita de Obama já encontra um panorama diferente, de um Brasil potência emergente e uma forte e consolidada democracia, e os EUA com grandes problemas internos e externos. Já estamos como um casal reconciliado, cada um com seu jeito de ser.
Mas não há dúvida de que nossas relações têm que melhorar. Sair dessa esquizofrenia de tapas e beijos. Afinal, vimos uma coisa jamais pensável: os EUA com um negro e o Brasil com uma mulher brilhante como presidentes.
Folha de São Paulo, 25/3/2011