A NOTÍCIA dos índios isolados nas nascentes do rio Envira, no Acre, fez a questão indígena voltar aos noticiários. José Bonifácio, com sua visão de Estado e de grande pensador, afirmava que a Independência não se completara porque não abolira a escravidão nem equacionara a questão indígena. Os dois problemas permanecem, com outras faces. É difícil saber se temos uma política indigenista. A questão foi politizada, os índios são qualificados no restrito grupo de “minorias” e como tal são tratados. Mas o problema é muito mais complexo, com aspectos históricos, científicos, sociais e humanos.
Encarregou-se dele a Funai, que vive em crise de permanente penúria existencial, voltada preferencialmente para o assistencialismo. A geração romântica dos indigenistas, sertanistas e apóstolos da causa passou, e os últimos de seus integrantes envelheceram. A entrevista dada por um deles, José Carlos Meirelles, é uma fotografia em palavras da solidão e da nostalgia de um ideal de vida. Ele coloca uma questão central, a de como fazer com que as políticas de educação e de saúde indígenas convivam com a intocabilidade do santuário de uma cultura milenar.
A tese da bondade natural do índio foi um princípio filosófico para Rousseau, Montesquieu e Voltaire. O “bom selvagem” do discurso sobre a desigualdade levava à conclusão de que é a civilização que o corrompe.
Talvez tenha chegado a hora de reavaliar, aprofundar, despolitizar e tornar mais efetivas as soluções e as ações sobre a questão indígena.
A Funai, problema que não é de agora, não pode ser esse espaço esquecido e discriminado nas prioridades governamentais. Ela lida com a nossa dívida com o índio, cujo sangue, martirizado, dizia Vieira no século 17, era a causa da infelicidade do Brasil.
Em 1986, quando eu visitava o Rio de Janeiro como presidente, o então deputado Cacique Juruna criou uma grande confusão dentro do ônibus onde estávamos, pois não entendia as regras do cerimonial, que desejava colocá-lo numa cadeira que ele não queria. O governador Brizola disse-me então: “Presidente, esse pessoal não entende que a cabeça desse homem não pode processar essas coisas. Ela tem mil anos”.
Com objetividade, ele colocava o nosso desafio impossível: compatibilizar essa cultura com o avanço da humanidade, que leva a ela doenças, angústia, as contradições e os demônios do nosso tempo.
Talvez precisemos colocar em nossos corações o coração dos índios, para amá-los e entendê-los. Não basta apresentá-los com egoísmo como um fóssil antropológico na mídia mundial.
Jornal do Brasil (RJ) 6/6/2008