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Sobre o Supremo

 

A disputa de interpretações de teorias jurídicas vem dando a tônica nos debates do Supremo Tribunal Federal. A denominação informal de cada um dos grupos mostra bem os parâmetros desta disputa. Os “garantistas” sustentam que qualquer decisão a ser tomada deve levar em conta a literalidade da lei para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

Os “iluministas” ou “progressistas” buscam contornar eventuais obstáculos impostos pela literalidade com interpretações do texto legal, em busca da intenção do legislador para ter uma Justiça mais célere e eficiente. Assim, a jurisprudência atual é permitir a prisão em segunda instância, mesmo que a Constituição diga que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de seu processo.

 Para tanto, considera-se que o processo se encerra na segunda instância, e os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) podem continuar sendo feitos depois da prisão, pois são de caráter extraordinário.

A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf. Até hoje há a discussão sobre se lavagem de dinheiro é um crime instantêneo, que se encerra na sua consumação, ou se é permanente, como decidiu a Primeira Turma do STF.

O relator foi o ministro Edson Facchin, que levantou a tese, e não o ministro Luis Roberto Barroso, como escrevi aqui. Barroso votou a favor do relator juntamente com a ministra Rosa Weber e o ministro Fux, formando a maioria. O ministro Marco Aurélio, mesmo tendo votado a favor da prescrição, acompanhou a maioria no mérito.

 Barroso é tido como expoente da ala “iluminista” do Supremo, mas ele recusa esse rótulo. “Sou a favor de um direito penal moderado. Porém, sério e igualitário. A queixa que existe é dos advogados criminalistas -- que têm que fazê-la, por dever de ofício -- e dos parceiros da corrupção, que não se conformam que o direito penal que valia para menino pego com maconha ou para o sem-teto que furtava desodorante no supermercado se aplique também a corruptos e criminosos de colarinho branco”.

O ministro Luis Roberto Barroso afirma que “o direito não ficou mais duro; ficou mais igualitário”. Para ele, “o “Garantismo”, em direito, significa que o acusado tem o direito de saber do que está sendo acusado, o direito de se defender, de produzir provas, de ser julgado por um juiz imparcial e de ter acesso a um 2º grau de jurisdição”.

 Ele considera que está havendo uma distorção do conceito, “um garantismo à brasileira”, que seria um direito adquirido à impunidade, a um processo que não funciona, que tem recursos infindáveis, não acaba e sempre gera prescrição”.

No voto no caso Maluf, após concluir a parte técnica da argumentação, Barroso afirmou: (...) considero que o rotineiro desvio de dinheiro público, seja para fins eleitorais, seja para o próprio bolso, é uma das maldições da República. (...) “Este é um dos fatores que tem nos mantido atrasados e aquém do nosso destino, porque dinheiro público que é desviado é dinheiro que não vai para a educação, não vai para a saúde, não vai para melhorar estradas”.

 Ele acha que “a histórica condescendência que se tem tido no Brasil em relação a esse tipo de delinquência, aparentemente está chegando ao fim. Punir a apropriação privada de recursos públicos é um marco na refundação do país”.

Reserva indígena

Na coluna publicada de 1/3/2019, de título Venezuela e Cuba, não dei a devida relevância ao papel do falecido ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Alberto Direito.  Ele, no julgamento do caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, fez 18 ressalvas para a demarcação contínua da extensa área da reserva, desejada pela FUNAI, que fora abraçada pelo relator Ayres Britto.

 Esse voto de Menezes Direito influenciou vários de seus colegas, que já haviam votado a favor da posição da FUNAI, inclusive o relator Ayres Britto, que incluiu as ressalvas de Menezes Direito em seu voto final.

Foi uma dessas ressalvas que permitiu ao governo decretar a área de interesse nacional para permitir a obra do linhão de Tucurui para levar energia elétrica para Roraima.

O Globo, 24/03/2019