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Sobre o clima no país

 

A decisão do STF autorizando a prisão de condenados a partir da sentença de segunda instância pôs fim à rica indústria de manobras protelatórias

Ao ser preso com sua mulher, Mônica Moura, acusados de receber ilegalmente US$ 7,5 milhões no exterior, João Santana, marqueteiro de Lula e Dilma, disse que “o país vive um clima de perseguição”, referindo-se aos efeitos da Lava-Jato do juiz Sérgio Moro e fazendo supor uma operação que persegue sem investigar e considera todos culpados até prova em contrário. É o que dizem muitos dos que já foram apanhados. Será mesmo assim? Realmente, se prende muito mais hoje em certos segmentos sociais do que anos atrás, e isso porque as instituições melhoraram seu desempenho: a polícia, o Ministério Público e a Justiça estão mais independentes e aperfeiçoaram seus instrumentos de combate ao crime e à impunidade, atingindo personagens da elite política e empresarial que se julgavam acima da lei.

E esse número de “perseguidos” deve aumentar porque acaba de surgir outra novidade para tirar o sono dos réus de colarinho branco que já se consideravam livres das grades. A decisão do Supremo Tribunal Federal autorizando a prisão de condenados a partir da sentença de segunda instância pôs fim à rica indústria de manobras protelatórias, como as do ex-senador Luiz Estevão. Condenado em 2006 a 30 anos e oito meses de prisão por peculato, corrupção ativa, estelionato, formação de quadrilha e uso de documento falso, ele só cumpriu três anos e seis meses. Está em regime domiciliar graças a 34 recursos judiciais e, claro, financeiros. Agora, o Ministério Público pediu ao STF sua prisão imediata e a do empresário Fábio Monteiro de Barros Filho, seu companheiro de desvios. Será isso perseguição? E o que dizer do pedido da PGR ao STF para apurar a movimentação de R$ 5,7 milhões do presidente do Senado, Renan Calheiros, por lavagem de dinheiro e peculato? A imprensa está cheia de histórias, inclusive de empresas. A Odebrecht, por exemplo, talvez tenha hoje mais processos do que obras a realizar. Aliás, ela foi citada por Mônica como tendo dado US$ 3 milhões à firma do casal e, segundo a revista “Época”, documentos apreendidos pela polícia revelam que a empresa pagou R$ 4 milhões ao marqueteiro na campanha de reeleição de Dilma. O dinheiro seria oriundo de contrato da construtora com a Petrobras.

As investigações sobre a dupla continuam, mas, a julgar pelas conexões, contradições e mistérios não desfeitos nos primeiros depoimentos, em que Santana não soube dizer nem quem era o generoso doador dos seus US$ 7,5 milhões, o casal está mais enrolado do que o nome do lobista que depositou US$ 4,5 milhões na conta do marqueteiro na Suíça: Zwi Skornicki. Pelo que devem de explicações à Receita e à Justiça, Mônica e João só não poderão alegar que foram vítimas de “perseguição”, até porque, mascando (chiclete?) e com seu riso desafiador, Mônica não parecia uma perseguida.

O Globo, 27/02/2016