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Semipresidencialismo é golpe

 

Aprovar qualquer mudança do sistema de governo, seja para o parlamentarismo ou o semipresidencialismo, a um ano da eleição presidencial é golpe contra os dois principais candidatos no momento segundo as pesquisas eleitorais: o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Não importa que não se goste de um ou de outro, ou de nenhum dos dois, ou que se desgoste do presidencialismo e do sistema proporcional aberto que utilizamos no Brasil. Que se prefira o voto distrital, ou o distrital misto, ou até mesmo o “distritão”.

Qualquer mudança dessa proporção sem um amplo debate da sociedade é inaceitável. A adoção do semipresidencialismo chegou a ser debatida no final do governo Temer, com o apoio do ministro do Supremo Gilmar Mendes, que à época era presidente também do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Chegou-se a um anteprojeto que atribuía ao presidente da República, eleito pelo voto direto, a competência de propor leis ordinárias e complementares ou de vetar total e parcialmente projetos de lei.

Agora, poucos dias antes do recesso, voltou à tona o tema pela voz do próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, alegadamente para evitar um ambiente favorável ao impeachment de Bolsonaro, mas também para reduzir os poderes de um futuro presidente Lula. Com a reação negativa, Lira passou a defender a mudança para 2026, o que é bastante razoável.

Mas, se a mudança é a longo prazo, por que aprová-la na reforma que se faz agora, às pressas? Mesmo que aprovada, nada indica que se manteria até lá se o presidente eleito não quiser. Muitas medidas tomadas com dez anos de antecedência, como as cláusulas de barreira, foram postergadas por mais tempo. Além do mais, como já aconteceu uma vez, a mudança de sistema eleitoral pode ser derrubada novamente. Para que João Goulart pudesse assumir a Presidência da República, seu direito por ter sido eleito vice-presidente na chapa do renunciante presidente Jânio Quadros, foi preciso criar às pressas um regime parlamentarista, rejeitado anos depois pelas urnas plebiscitárias, que majoritariamente aprovaram a volta do presidencialismo.

As cláusulas de barreira foram aprovadas pelo Congresso em 1995, porém, em 2006, quando passariam a valer, foram impedidas pelo Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que prejudicariam os pequenos partidos. Um erro de avaliação brutal, que levou a que a implantação ocorresse apenas na eleição de 2018, 23 anos depois de aprovada, com o objetivo de restringir o funcionamento do partido que não alcançar determinado percentual de votos na eleição para a Câmara dos Deputados.

Esse atraso permitiu que fossem criados dezenas de partidos políticos, até chegar ao assombroso número de 33 legendas atuando no Congresso. Para cumprir a regra, cada partido terá de alcançar o mínimo de 2% dos votos válidos em 2022, ou eleger 11 deputados em pelo menos um terço das unidades da Federação. As mudanças propostas na Câmara querem incluir o voto no Senado como cláusula de barreira, facilitando a vida de alguns partidos.

Os que não conseguem ficam sem acesso ao fundo eleitoral e também sem tempo de rádio e TV no horário eleitoral, que voltará a existir na próxima eleição, outro retrocesso proposto na reforma tocada às pressas na Câmara. Na eleição de 2018, 14 siglas não conseguiram preencher as cláusulas: Patriota, PHS, PCdoB, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO. A votação para vereador nas eleições de 2020 revelou, segundo levantamento do site Congresso em Foco, que, dos 33 partidos que lançaram candidaturas, 15 não atingiriam a cláusula de desempenho eleitoral mínima em 2022.

São os mesmos anteriores, com exceção do Patriota, que se fundiu com o PRP, do PHS, que se fundiu com PMU, e do PCdoB, que se fundiu com o PPL. Além desses, entrariam na lista, de acordo com a votação recebida na eleição municipal, PROS, PV, PSOL, NOVO e UP.

Melhor aprimorar nosso sistema de voto proporcional aberto, agora melhorado pelo fim das coligações proporcionais e pelas cláusulas de barreira, antes de pensar em mudanças do sistema eleitoral como panaceia para nossa eterna crise política.

O Globo, 20/07/2021