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Sem confrontos diretos

 

O julgamento do mensalão pairou sobre a cerimônia de posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal como uma nuvem que a qualquer momento poderia produzir chuvas e trovoadas, mas não houve por parte dele nenhuma palavra mais agressiva, e nem uma mera referência, mesmo indireta, ao processo que relata.

Coube ao presidente da OAB, e depois ao ministro Luiz Fux, tratarem do assunto, Fux de maneira até mais incisiva que Ophir Cavalcante, embora sem citar diretamente o caso. Os raros petistas na plateia, a cara de poucos amigos com que tanto a presidente Dilma quanto o presidente da Câmara, Marco Maia, entraram no plenário, tudo colaborava para um ambiente de suspense que acabou tendo um anticlímax próprio das democracias maduras.

O ambiente era favorável a manifestações contra a corrupção, e Ophir chamou de histórico o julgamento da ação penal 470, que“fixou em cada cidadã e cidadão a consciência de que ninguém está acima da lei” e representou significativos avanços, inclusive de transparência do Judiciário, com as transmissões ao vivo da TV Justiça. Foi muito aplaudido quando afirmou que “quem infringe a lei deve responder por seus atos”.

Já Fux, escolhido por Joaquim para fazer a saudação oficial e a quem submeteu seu discurso, foi direto ao responder às críticas ao Supremo provocadas pelas condenações dos mensaleiros:“Nós, os juízes, não tememos nada nem ninguém,(...) pouco importa se a campanha é dirigida contra o tribunal como um todo ou contra um de seus membros”.

Ele se referiu especificamente às críticas de “instâncias políticas”, sempre “abastecidas pelo roteiro de certos nichos acadêmicos”, de que o STF estaria se arvorando em atribuições “próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, característica que seria reservada apenas aos Poderes compostos por mandatários eleitos”. Para Fux, o que os críticos chamam de “judicialização da política” é uma nova atuação do Judiciário, “amoldada às novas exigências sociais”.

A História demonstrou, disse no discurso, em experiências liberais e regimes autoritários, que Legislativo e Executivo não foram capazes, sozinhos, de assegurar o respeito aos direitos que compõem o substrato mínimo, o propósito e a condição da democracia. “Se a função da Constituição é reger e limitar o funcionamento do jogo político, é de bom alvitre conferir a um órgão não composto de agentes politicamente eleitos a função de velar pela observância das normas constitucionais”.

O discurso de Fux foi uma defesa de papel mais ativo do Judiciário “na solução de questões controversas como reflexo de uma nova configuração da democracia, que já não mais se baseia apenas no primado da maioria e no jogo político desenfreado”. Nesse sentido, “apresenta-se a Corte como mais um catalisador de aspirações e interesses relevantes, sendo que seu peculiar modo de enfrentamento das questões polêmicas, técnico, imparcial e motivado, estimula aqueles que não concordam com determinada orientação a aceitá-la e cumpri-la trata-se, portanto, de legitimidade democrática”.

Mas ele teve a sabedoria de elogiar a atuação de Dilma, a quem agradeceu pela indicação ao STF. Também o procurador-geral, Roberto Gurgel, encontrou espaço no discurso para criticar a emenda constitucional já aprovada na comissão especial da Câmara que retira do Ministério Público o poder de investigação, dizendo que ela ajuda a impunidade. Destacou que só três países adotam a restrição, e não disse, mas deixou subentendido, que, se a alteração já vigorasse, o caso do mensalão provavelmente não teria sido exitoso.

O discurso de Joaquim tratou de questões mais objetivas: a incapacidade da Justiça de atender a todos com igualdade, a morosidade dos processos, o sentimento de que nem todos são iguais perante a lei. Para Joaquim, a cidadania só se manifesta quando se une à igualdade à Justiça. A referência mais direta que fez às injunções políticas foi quando disse que é preciso acabar com a necessidade de se ter apoio político para juízes progredirem na carreira.

Ele defendeu que os juízes saiam das torres de marfim e tratem das questões cotidianas que afetam a população. Pode-se dizer que o novo presidente do Supremo, por sua fama de agressividade, transferiu para seu escolhido para saudá-lo a tarefa de responder aos ataques e defender a atuação mais ativa que pretende imprimir à sua gestão.

O Globo, 23/11/2012