Ao mesmo tempo em que parece ter recuperado a capacidade de iniciativa, o governo da presidente Dilma colocou-se em posição de risco extremo ao enviar ao Congresso um pacote de ajuste fiscal que se choca com suas bases populares e ao mesmo tempo atinge em cheio a classe média e o setor produtivo, com a criação de novos impostos, sobretudo a CPMF, que ressurge das próprias cinzas apenas quinze dias depois de ter sido abandonada por inviável pelo próprio governo.
O momento é mais delicado, é verdade, graças a um erro de cálculo inacreditável do próprio governo, que enviou um orçamento com déficit de R$ 30 bilhões para pressionar o Congresso e conseguiu chamar a atenção das agências de risco para sua incapacidade de administrar a crise que criou.
Com a perda da classificação de bom pagador, o país encurtou seu tempo, e a presidente Dilma vê-se agora diante de uma luta de vida ou morte por seu mandato. A negociação no Congresso para aprovar o pacote fiscal transformou-se em uma decisiva batalha em que o governo começa com os partidos de oposição dispostos a negar-lhe qualquer nesga de ar para sobrevivência, e muitos da situação recusam sua solidariedade, acusando a presidente de ter se curvado diante das exigências dos neoliberais, representados pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy.
Enquanto a agência de classificação de risco Moody´s considerou as medidas fiscais anunciadas pelo governo como um "desenvolvimento positivo", mesmo diante da realidade de que não conseguirá fazer um superávit primário no próximo ano, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Vagner Freitas diz que “o pacote é recessivo” e “imputa a culpa da crise aos trabalhadores”.
Segundo ele, as medidas refletem a política “do Levy, que é de corte e não de investimento, de corte nos direitos dos trabalhadores servidores públicos federais". No próprio PT, e por incentivo de Lula, vários setores já estão se mobilizando contra a proposta do governo.
O senador do Rio Lindbergh Farias, que tem se notabilizado por ser um porta-voz informal de Lula no Senado, disse que Dilma está dando um tiro no pé, defendendo uma política contrária aos trabalhadores. Como Lula já disse recentemente, em vez de cortes deveriam estar sendo estimulados investimentos (com que dinheiro?) e aumentado o crédito (com que dinheiro?).
Já o presidente nacional da Juventude do PT, Jefferson Lima disse que "os jovens do PT precisam pressionar o partido e governo, para colocar em prática aquilo que vendemos na campanha como projeto". Também o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) repudiou as soluções apresentadas pelo governo, protestando, sobretudo, contra os cortes de financiamentos para o Minha Casa Minha Vida e o que chamam de congelamento no salário de servidores públicos.
Para o MTST “a solução para o problema fiscal deve ser buscada em cima daqueles que ganharam como nunca nos últimos anos. Defenderemos nas ruas a taxação das grandes fortunas, de dividendos e remessas de lucro, além da maior progressividade no Imposto de Renda. Os ricos, banqueiros e empresários devem pagar a conta”.
Estabeleceu-se, portanto, um embate em que o governo Dilma perdeu parte substancial de sua base de apoio, inclusive no próprio PT, e não ganhou a solidariedade da oposição ou da classe média, que continua querendo vê-la pelas costas. Vencedora nas negociações no Congresso, com o apoio dos governadores e provavelmente do presidente do Senado, Renan Calheiros, pai do governador de Alagoas, disposto a se contrapor como o “good cop” ao “bad cop” Eduardo Cunha, a presidente terá recuperado o fôlego para prosseguir lutando pelo seu governo.
Mas este é um cenário improvável, dada a correlação de forças hoje existente no Congresso. Também o bate-boca do ministro Joaquim Levy com deputados da base não ajuda a mudar esse clima de hostilidade. A atitude de enviar uma proposta ao Congresso, e a posterior negociação, podem ter dado a Dilma um fôlego suplementar, e neutralizam momentaneamente o movimento para apressar o trâmite do impeachment.
Derrotada, terá dado um passo decisivo rumo ao abismo, e poderá só restar a ela a iniciativa da renúncia honrada, ou a humilhação do julgamento no processo de impeachment que se seguirá à demonstração cabal de que não tem mais condições de governar.