As dores de cabeça do presidente Lula não devem ser poucas. Ele assumiu com uma metodologia nova, invenção dos bancos internacionais envolvidos no mercado financeiro, com uma tal avaliação diária da vulnerabilidade dos países emergentes. No nosso caso, apareceu um chamado "Risco Brasil", que a cada dia baixa e sobe, com motivações complexas que ninguém sabe verdadeiramente como se constroem.
A verdade mesmo é que o "Risco Brasil" agora não está mais em Wall Street, mas na Rocinha. O meu receio é que se estabeleça nesses mercados um risco mais claro e efetivo, como esse que tomou conta do Rio de Janeiro. Os jornais já não recusam o tratamento de "guerra civil no Rio de Janeiro" e, para desconforto nosso, aquela história que se dizia do ameaçador inferno -que "ele é aqui"- pode dar numa afirmação que o Iraque também é aqui.
Para aumentar nossos temores ou tremores, o MST anunciou e cumpriu com bastante clareza que abril seria o mês vermelho, sem que se soubesse que este mês também seria, em matéria de violência, um setembro negro. Às batalhas da Rocinha soma-se o que acontece em Pernambuco, onde quatro grupos disputam qual o mais radical na invasão de fazendas com o objetivo de levar na marra a reforma agrária.
Na Bahia, alega-se que não se come eucalipto e, assim, derrubam-se as árvores. Se aplicássemos a mesma tese à Amazônia, não se come jatobá, angico, maçaranduba, pequi e todo verde que ali se mescla com as águas, naquele mundão de beleza que mais parece o primeiro dia da criação.
Se um investidor, ou mesmo um brasileiro comum, somar todas essas coisas e desejar fazer o seu cálculo do "Risco Brasil", o riscômetro vai levar o mercúrio às alturas.
Na política as coisas também não estão tão calmas. As reivindicações de salário estão em gestação ou em trabalho de parto. As medidas provisórias - e nunca deixo de advertir que elas são um obstáculo ao aprofundamento de nossa democracia - obstruem as pautas do Senado e da Câmara, e o trabalho legislativo fica a reboque delas.
Evidentemente este ano é um ano de eleições, e tudo isso deve estar no contexto desse 2004 atípico, a começar por ser bissexto. Não esperemos que nos próximos meses a temperatura possa baixar ou que as paixões se arrefeçam no embate das urnas.
Mas o mundo é assim mesmo e, de tanto vivermos crises, já estamos meio anestesiados com elas. Quem viveu muitas delas e assistiu a esse vai-e-vem da espécie humana foi um não-humano, o cágado Trinity, que era mascote da marinha inglesa, tomou parte em batalhas, viajou mares tenebrosos e morreu, agora, com 160 anos. Coisa que não desejamos a ninguém. Só jaboti agüenta.
Outros que também não estranham essas coisas são os gatos, pois agora descobriram que eles convivem com os homens, domesticados, há 9.500 anos. Assim, se o cão é o maior amigo do homem, é o gato que há mais tempo o suporta.
Crise, também, está existindo no Maranhão. Os urubus do aeroporto de Teresina, que estavam ameaçando os aviões, foram capturados e mandados para o sertão maranhense, de onde não podem voltar. E, assim, reclamações muitas chegam contra os urubus que estão chegando do Piauí.
Com todas essas coisas, não é de admirar que o "Risco Brasil" preocupe os investidores e que a guerra da Rocinha nos congele os ossos.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) e
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 16/04/2004