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Retórica vazia

 

Além da retórica petista, que se desdobra em vários setores da sociedade tentando dar à minoria que apóia o governo (?) Dilma uma aparência de protagonismo político, na vida real as manobras para invalidar a decisão do ministro Gilmar Mendes de anular a posse de Lula no Gabinete Civil até agora foram infrutíferas.

Antes de considerar-se impedido de decidir sobre um mandado de segurança impetrado por vários advogados do ex-presidente, pois é amigo de um dos impetrantes, o ministro Edson Fachin decidiu sobre outro, de um advogado por ele desconhecido, e tomou a decisão que parece ser a única possível: negou a liminar, recorrendo a uma jurisprudência do próprio Supremo que determina que uma decisão monocrática de um ministro não pode ser derrubada por um mandado de segurança por outro ministro.

Esse entendimento está expresso em uma súmula editada em 1984, aplicada com frequência pela Corte.

Provavelmente a ministra Rosa Weber, que acabou sendo sorteada eletronicamente para substituir Facchin na relatoria, adotará a mesma posição, embora seja impossível garantir que a jurisprudência será utilizada mais uma vez.

Aliás, a sorte está sendo madrasta com o governo Primeiro, foi sorteado o ministro Gilmar Mendes para relatar mandados contra a posse de Lula no ministério, e agora a ministra Rosa Weber, a quem o ex-presidente pretendia que a presidente Dilma, que a nomeou para o STF, pressionasse para controlar as investigações da Operação Lava-Jato.

Também o balão de ensaio de convocar uma reunião de emergência do Supremo Tribunal Federal durante esse recesso de Páscoa deu com os burros n’ água. Não houve receptividade da maioria dos juízes à tentativa do presidente Ricardo Lewandowski, e Lula passará mais uma semana longe do foro privilegiado, colocando seus peões para fazer a segurança de seu apartamento, temendo ser acordado pela Polícia Federal.

A intenção de Lula de conter as investigações da Lava-Jato ficou clara em vários dos diálogos gravados pela Polícia Federal com autorização do juiz Sérgio Moro, assim como a ânsia de seus correligionários de fazê-lo ministro para protegê-lo de uma prisão preventiva, base para os diversos mandados de segurança para impedir sua posse, por desvio de finalidade, crime de responsabilidade que pode ser acrescido às várias denúncias que pesam contra a presidente Dilma.

Também a tentativa do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, de controlar a Polícia Federal com ameaças de punição “ao menor cheiro de vazamento”, surtiu efeito contrário. A reação da associação dos delegados da corporação foi tão vigorosa que ele foi obrigado a soltar uma nota afirmando que o diretor-geral da PF, Leandro Daiello – para quem ele já procurava substituto, segundo o noticiário – lhe merece toda a confiança.

Os blogs “amigos” chegaram até a noticiar que o ex-presidente cogita desistir de assumir o ministério, disposto a atuar informalmente para ajudar o governo na luta contra o impeachment. Esse “desprendimento” serviria para provar que Lula não teme o juiz Sérgio Moro, mas não corresponde à realidade.

Se há provas documentais e áudios mostrando que a posse foi antecipada sem nenhum motivo concreto, e que a presidente Dilma entregou a Lula um termo de posse para “usar apenas se houver necessidade”, por que o ex-presidente mudaria de posição assim, de repente? Tudo indica que ele só tomará essa atitude quando e se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que sua nomeação é uma fraude política.

No caso, não lhe restará alternativa. Se, contra todos os indícios, ele desistir antes mesmo da decisão do Supremo, será uma indicação de que já está convencido de que perderá no julgamento. Se porventura o Supremo lhe for favorável, a decisão lhe dará um fôlego para tentar convencer os deputados de que ainda lhe resta uma expectativa de poder.

Mas Lula sabe que é difícil enganar os “picaretas” - como ele já se referiu aos deputados, antes de comprar seus apoios no mensalão e no petrolão -  que ele está procurando para estancar o impeachment de Dilma. O ex-presidente já não parece em condições políticas de reverter um jogo que parece decidido.       

O Globo, 22/03/2016