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Renovação precária

 

Ao deixar claro o apoio ao deputado Fabinho Ramalho do MDB para a presidência da Câmara, chamando-o em público de “meu presidente”, e também transparecer que não gostaria de ver o reeleito Renan Calheiros na presidência do Senado, o presidente eleito Jair Bolsonaro mostra que pretende impor ao Congresso renovação de lideranças.

Não necessariamente melhores, como acontece com a representação do Congresso, renovado, pero no mucho, e com a sua própria eleição a presidente, que representou uma derrota do PT e da chamada “velha política”, mas se escora em remanescentes de esquemas anteriores para ditar seus caminhos.

Inclusive ele mesmo, que veio do chamado “baixo clero”, que agora quer espaços para atuar mais desenvoltamente. O deputado Fabinho, por exemplo, tem como principal predicado as festas que dá em seu apartamento, e as iguarias que serve aos companheiros: porcas a pururuca, com duplo sentido e tudo.

Para reforçar sua candidatura, defende o aumento dos vencimentos dos deputados. Imiscuindo-se em assuntos privativos de um outro poder, do qual fez parte por 27 anos, Bolsonaro corre o risco de receber de volta da Câmara bombas como as que aumentam os gastos para o próximo ano, seu primeiro à frente do Executivo.

Depois de quebrar a espinha dos partidos ao nomear ministros e secretários de primeiro escalão sem consultá-los, no que fez muito bem, agora Bolsonaro tem tido reuniões com seus representantes, pois precisará de votos para aprovar as reformas impopulares que podem vir a ser a mola propulsora para a retomada do crescimento econômico do pais. 
 
Na campanha, ele chegou a admoestar seu vice, General Mourão, que, numa palestra, disse que encargos como 13º salário eram “jabuticabas”, que só existiam na legislação trabalhista brasileira.

 “É uma ofensa ao trabalhador brasileiro”, disse o então candidato, contrariamente ao que disse ontem o presidente eleito, que concordou que as “jabuticabas” são prejudiciais a quem cria empregos. O que confirma a impressão de que, pelo menos em termos de política econômica liberal, se o deputado federal Bolsonaro era menos flexível que o candidato Bolsonaro, o presidente eleito é mais flexível do que o candidato Bolsonaro, e o presidente empossado será mais ainda.

A questão é saber como conviverá com as corporações que não querem perder seus privilégios, inclusive a sua turma, os militares, ou com os sindicatos, que defendem as corporações contra a reforma da Previdência e a flexibilização mais ampla da legislação trabalhista.

A extinção do ministério do Trabalho foi medida na direção da modernização da legislação, que já sofrera uma reviravolta renovadora no governo Temer. Mas se o presidente eleito quiser mesmo estimular uma ligação direta com os cidadãos, prescindindo dos partidos e utilizando as redes sociais, como poderá pedir sacrifícios se não acabar com privilégios?

Precisará convencer seus eleitores de que a aproximação com a informalidade, como defende, não significa retrocesso, mas avanço na direção de mais empregos. Assim como a reforma da Previdência significará um futuro mais garantido para todos, em troca da perda de vantagens de alguns poucos.

Ao procurar montar o governo através de bancadas temáticas, transversais aos partidos e que abrigam deputados e senadores de diversas tendências em defesa de interesses diversos, Bolsonaro livrou-se do toma-lá-dá-cá para cair nos braços das corporações de funcionários públicos, dos militares, dos agricultores, que defenderão prioritariamente seus interesses, mesmo respeitáveis.

A visão de conjunto das necessidades do país só mesmo os partidos políticos supostamente teriam. Uma mudança de tamanha amplitude tem, em tese, o apoio de quase 58 milhões de votos (e não 54 milhões como escrevi recentemente), mas quando afetar temas delicados, mas necessários, esse número sofrerá uma redução, e a oposição se aproveitará dos que se sentirem abandonados ou traídos.

O presidente francês Emmanuel Macron foi eleito para fazer as reformas,  mas a realidade e os interesses corporativos estão colocando um freio em suas boas intenções.

Um apoio institucional será então necessário, seja dos partidos políticos, seja dos formadores de opinião. Uma ligação direta com o eleitor só serve para governos populistas que querem suplantar as instituições, base da democracia.   

O Globo, 13/12/2018