O clima aqui em Davos no primeiro dia de Fórum Econômico Mundial, se não chega a ser de pessimismo, é muito marcado pela necessidade de rever atitudes e procedimentos para que o capitalismo continue sendo o melhor sistema econômico disponível.
Houve um consenso em diversos painéis de que o capitalismo precisa prestar melhores serviços à sociedade.
A tendência ao mea-culpa só foi alterada diante de um líder trabalhista sem papas na língua.
Ninguém foi tão contundente e radical quanto o australiano Sharan Burrow, secretário-geral da União Internacional do Comércio em Bruxelas, que disse que "o capitalismo faliu a sociedade", citando como argumento o aumento da desigualdade e o alto desemprego, especialmente entre os jovens.
Para ele, a comunidade de negócios "perdeu o senso moral".
Se não fossem as palavras radicais, a receita de Burrow estaria no mesmo compasso das diversas manifestações que se ouve aqui em Davos este ano: "Precisamos redesenhar o modelo, reajustá-lo, parar com a ganância".
David M. Rubenstein, cofundador e diretor-executivo do Carlyle Group, uma firma de investimentos globais, parafraseou Winston Churchill para rebater o líder trabalhista australiano, garantindo que o capitalismo é o pior sistema econômico à exceção de todos os outros.
Para garantir que o capitalismo seja justo, vamos focar em aperfeiçoar as leis e regulações, investir em educação, e promover inovação e criatividade, receitou Rubenstein.
Inovação, por sinal, foi uma palavra muito usada durante os debates, como sendo uma das saídas para a crise econômica internacional.
Ben J. Verwaayen, CEO da Alcatel-Lucent, foi cortante: "Precisamos falar sobre inovação, sustentabilidade e reformas, não sobre corporações e ganância. Temos que falar sobre criação de empregos, e não sobre segurança no emprego".
O professor da Business School da Universidade de Chicago Raghuram G. Rajan salientou que o aumento da desigualdade acontece não por má gestão corporativa, mas devido a forças mais profundas, como o desenvolvimento tecnológico, o surgimento de um mercado globalizado e a necessidade de inovação: "O debate correto é sobre como conseguimos a inovação e a criatividade de que necessitamos".
A necessidade de inovação também foi a parte mais importante de um painel sobre as necessidade das empresas atuais.
O consenso foi de que as empresas precisam mudar a maneira de fazer negócios se quiserem enfrentar com sucesso os desafios que se apresentam daqui por diante.
O presidente da Cisco, John T. Chambers ressaltou que nos anos 1990 sua empresa, líder em produtos de interconecção para empresas e pessoas, tinha cerca de cem competidores, e hoje apenas dois continuam no mercado.
Se uma empresa continua a fazer o que sempre fez, alertou, será passada para trás inevitavelmente. O tempo de vida útil de empresas incapazes de modificar seus procedimentos é de 15 anos, concordaram os painelistas, dando como exemplo a Kodak, que recentemente declarou concordata.
Duncan Niederauer, CEO da Nyse Euronext, expressou uma opinião otimista por um lado, mas desafiante por outro.
Para ele, a necessidade de uma reinvenção permanente para as empresas não existe apenas devido à crise econômica, que ele vê como um problema de curto prazo que será superado, mas à tecnologia e ao surgimento de centenas de milhões de novos consumidores nos mercados emergentes.
Foi ressaltado também que num mundo interconectado como o de hoje, em que as notícias estão em tempo real na casa dos cidadãos, uma empresa não pode apenas fingir que é uma corporação-cidadã, pois será denunciada. As empresas precisam fazer o bem mas necessitam ser percebidas como tal.
Ser socialmente responsável e sustentável do ponto de vista ecológico depende fundamentalmente de conseguir recrutar os melhores talentos, adequados às exigências dos novos tempos.
Esses talentos, especialmente os jovens, serão também atraídos por empresas modernas e preocupadas com essas questões.
O megainvestidor George Soros, que fez questão de garantir que não especulava mais no mercado financeiro, considera que o plano do Banco Central Europeu de refinanciamento de longo prazo, que dá aos bancos ilimitada liquidez, mas não aos Estados diretamente, vai fazer com que os países e seus bancos continuem no limite de uma potencial insolvência.
Ele é um crítico severo do que chama de imposição da Alemanha, e diz que os cortes de gastos vão levar a Europa a uma armadilha deflacionária.
E quando acontece tanto a inflação quanto a deflação é sinal de que as coisas estão erradas.
Mesmo afirmando que entende a preocupação da Alemanha com o trauma da hiperinflação, Soros disse que ela está levando os membros da União Europeia a uma perigosa dinâmica política, que em vez de integrá-los vai criar um clima de recriminações mútuas.
Para ele, há um perigo real de que o euro mine a coesão do grupo europeu. Deterioração econômica e política e desintegração social vão se reforçar mutuamente nesse caso, advertiu George Soros, que propugnou uma saída mais "democrática" para a crise europeia, numa clara crítica à hegemonia alemã.
Embora falasse sobre a situação da Europa, Soros, perguntado, declarou seu apoio ao plano do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de aumentar os impostos para os muito ricos, e lembrou que está entre os bilionários que se colocaram favoráveis a pagar mais impostos.
Ele também se disse convencido de que o governo da China já está preparando o povo para uma época de menor crescimento econômico, o que terá consequências para o resto do mundo.
O Globo, 26/1/2012