“Sou juiz há 22 anos, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), tenho uma história, vou julgar de conformidade com os autos, vou absolver alguns, condenar
outros vários”. Quem diz isso ao telefone é o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, um dia depois de ter sido criticado, inclusive por mim, pelo voto absolutório dado ao ex-presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.
Ele telefonou para esclarecer um ponto específico de seu voto, apenas para que eu não repetisse a informação errada: “Eu iria fazer meu voto por ordem da denúncia, assim como foram feitas as sustentações orais, e não por ordem alfabética como você escreveu já duas vezes”.
Lewandowski revela então que começaria pelo ex-ministro José Dirceu, depois pegaria o núcleo político. “É um processo extremamente complexo, ninguém é perfeito, pode ter erro, mas estou procurando fazer o melhor possível”.
Nenhuma queixa pelas críticas que tem recebido: “A democracia é isso, a liberdade de imprensa é isso, eu aqui sempre defendi com unhas e dentes a liberdade de imprensa, fui contra a Lei de Imprensa, contra o diploma de jornalista”.
Ele apenas admite se “aborreceu um pouco” com a mudança de metodologia de apresentação do voto, pois trabalhou “durante meses e meses com uma certa lógica”, e de repente “peguei meu voto e tive que cortar”.
Como é professor universitário, e não só fez várias teses como participou de várias bancas, Lewandowski gosta de frisar que é “muito cioso” sobre “a questão da lógica, da correção doutrinária, da citação bibliográfica correta”.
Com a mudança de metodologia, ele diz que, juntamente com sua equipe, está trabalhando quase todo dia até meia-noite.
Anteriormente, havia trabalhado até de madrugada e durante todo o mês do recesso de julho “para trazer um voto minimamente aceitável e fundado”.
Mas ele ressalta que “se há três juízes aqui mais chegados, mais próximos, somos eu, o Joaquim (Barbosa) e o (Ayres) Britto. Agora uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. São teses que nós defendemos”.
Talvez tenha tréplica na reunião de segunda-feira, talvez não tenha, desconversa. E explica por que o raciocínio que valeu para condenar Henrique Pizzolato não valeu para João Paulo Cunha. “A questão do João Paulo Cunha tem nuances, e você vai ver que cada réu que é acusado de lavagem de dinheiro, dentro das circunstâncias
específicas em que ele sacou, vai ter uma solução”, explicou, reforçando a ideia que já antecipara no julgamento quinta-feira, quando ressaltou que ao contrário de outros réus, que enviaram até garçons e contínuos para pegar o dinheiro, Cunha havia mandado a própria mulher, o que a seu ver demonstrava que agira às claras.
“Cada caso é um caso que vou me reservar a estudar”. Em outros casos, diz ele, pode haver o dolo eventual, a pessoa tinha que ter desconfiado que o dinheiro poderia ser ilícito.
Lewandowski diz que procura ser “muito coerente, na idade que a gente tem é preciso poder dormir bem com o travesseiro, por que senão fica complicado”.
Ele lembra que há 22 anos quando entrou na alçada criminal e começou a condenar “não dormia direito”, e ressalta que “a única salvação de um juiz é se ater à técnica”.
O ministro revisor do mensalão diz que João Paulo Cunha “identificou para onde foi o dinheiro em juízo, houve recibo das pesquisas”.
Ele admite que esse fato pode caracterizar “um outro crime”, mas alega que isso “não está na denúncia”. Nesse caso, diz ele, “me pareceu que embora o dinheiro tivesse vindo da SMP&B, em sendo um crime eventualmente eleitoral (também não estou afirmando isso) não ficou caracterizada a lavagem do dinheiro”.
Pode ser crime eleitoral, ou até tributário, mas, no entender de Lewandowski, não se encaixou naquele tipo de lavagem, “e os tipos penais são muito estritos e não se pode inventar em matéria penal por que senão vamos viver num estado arbitrário, e o juiz está muito jungido, adstrito ao tipo penal”.
O ministro Ricardo Lewandowski diz que “houve crimes graves, e quem os cometeu vai ter que pagar mesmo”. Nos casos divergentes, como o de João Paulo Cunha, em que ele absolveu e o relator Joaquim Barbosa condenou, "o plenário vai dizer, e o plenário tem sempre razão".
De minha parte, mesmo ele não tendo reclamado, depois da conversa franca e educada com o ministro Ricardo Lewandowski, espero ter me precipitado ao afirmar que ele agia assim para ajudar os réus políticos, especialmente os petistas.
Vamos aguardar para ver como o ministro revisor distribuirá sua justiça.
O Globo, 25/8/2012