Minha primeira reação quando li a inacreditável declaração da presidente Dilma de que não haverá “volta Lula por que Lula nunca saiu”, na entrevista que concedeu a Monica Bergamo da Folha, pensei que ela caíra na própria armadilha. Ao tentar escapar de uma pergunta incômoda, fizera uma frase de efeito que acabou sendo uma admissão de submissão.
Não considerei nem mesmo que fora um ato falho, como sugeriu o Carlos Alberto Sardenberg na conversa comigo na CBN ontem, acreditando que fora, sim, uma infelicidade de quem não está acostumada à política.
Mas, durante o dia, conversando com um e com outro, acabei abrindo uma janela na interpretação para aceitar a possibilidade de que o que considerava uma autêntica “barbeiragem” da presidente pudesse ser na verdade audaciosa manobra: e se em vez de uma frase infeliz a presidente tivesse dado, isso sim, uma “trucada” nos que querem vê-la substituída por Lula na campanha eleitoral de 2014?
Ao explicitar a simbiose com o ex-presidente, Dilma esvazia a principal razão de uma eventual substituição sua por Lula. Ao dizer que Lula sempre esteve no governo, Dilma deixa nas entrelinhas a mensagem de que seus acertos e erros têm que ser divididos com o ex-presidente, o responsável final pela sua candidatura e, sobretudo, o parceiro do que tem sido feito no governo, o avalista de sua candidatura à reeleição.
Os que nos bastidores tramam para que Lula venha a ser o candidato à presidência em 2014 certamente consideram que a manobra vale a pena, mesmo com os riscos que ela traz. Lula, no entanto, parece estar ciente dos perigos da empreitada, e resiste aos apelos. Como bom político ele sabe que é quase impossível assumir o posto de candidato deixando no Palácio do Planalto uma presidente em pleno exercício do mandato, mas abandonada pelos seus e pelos aliados.
Como justificar a presença de Lula na campanha sem atribuí-la ao fracasso de Dilma? Como pedir para os eleitores esquecerem que foi ele o responsável por colocá-la no Palácio do Planalto? Além do mais, no limite, para o PT, perder com Dilma é melhor do que perder com Lula.
Há quem compare a atual situação da presidente Dilma ao final dos governos Jânio Quadros e Collor, mas não creio que o momento político seja semelhante, nem vejo sinais de que a presidente Dilma esteja perdendo a capacidade de governar. Se bem ou mal, essa é outra questão.
Ela está enfraquecida, é verdade, e até o momento não tem dado sinais de se preparar para dar a volta por cima. Nenhuma das medidas anunciadas parece razoável para dar resposta aos anseios da população, e a insistência em manter inalterada a equipe ministerial, seja em tamanho ou em pessoas, mostra uma incapacidade de mudança de rumos preocupante.
A continuar nessa marcha, o mais provável é que chegue à eleição desidratada de poder político, com sua base aliada abandonando o navio em busca de novos rumos, talvez como o ex-presidente José Sarney no fim de seu mandato.
Antecipando-se a essa provável debandada, o grupo do governador gaúcho Tarso Genro e do ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, sugere que a presidente abra mão de seus aliados “conservadores” para seguir adiante com uma aliança de esquerda, dando uma guinada em seu governo.
Essa seria talvez a maneira mais rápida de perder completamente o apoio da classe média, que já está nas ruas pedindo mudanças em setores-chave como saúde, educação, transportes, segurança pública. Por isso mesmo, atribui-se ao ex-presidente Lula sugestão oposta.
Para recuperar esse apoio, e manter sob suas asas os partidos que hoje já estão a procura de outro caminho eleitoral, a manobra do governo teria que ser diametralmente contrária, com uma guinada ao centro que abrisse perspectivas futuras de melhorias.
Talvez não haja tempo mais para ter resultados ainda em 2014, mas fazendo mudanças na direção correta, a presidente poderia pelo menos vender a possibilidade de um futuro melhor em seu segundo mandato. Para tal teria que aceitar mudar a política econômica, colocando no lugar de Guido Mantega um ministro com luz própria, que por si só levasse esperança ao mundo dos negócios.
Mas, embora ela negue que seja tão centralizadora quanto dizem, há quem não veja chance de mudanças dessa ordem exatamente por ser Dilma quem dizem que ela é.
O Globo, 30/7/2013