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Processo em curso

 

Ao acionar três ministros de Estado num domingo, e até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF), para tentar barrar o julgamento das suas contas no Tribunal de Contas da União (TCU), o governo reverteu contra si o ambiente político, dando ao parecer de um órgão assessor do Congresso o valor de uma condenação técnica que pode levar ao processo de impeachment.

A aprovação por unanimidade do parecer do relator Augusto Nardes, com cores de desagravo aqui e ali em pronunciamentos de ministros e do próprio presidente do Tribunal, Aroldo Cedraz, ganhou ares de repúdio à tentativa governamental de impedir que suas contas fossem devidamente analisadas.

O Advogado-Geral da União Luis Adams, além da desastrada decisão de levar para o Supremo uma questão que deveria ter sido tratada no Congresso, chegou a ser ridicularizado pelo relator Raimundo Carreiro, que identificou entre a papelada enviada para o TCU a guisa de defesa recortes de jornais sobre outros temas.

E a platéia, repleta de parlamentares oposicionistas, desdenhou em bom som quando disse que o parecer do TCU seria usado para abrir um processo de impeachment da presidente.

Foi um dia de derrotas do Palácio do Planalto diante da reafirmação do Judiciário como poder independente, o que representa uma vitória do sistema democrático, funcionando adequadamente até o momento apesar das pressões indevidas do Palácio do Planalto e de decisões isoladas que não chegam a indicar uma reversão das expectativas.

No front do Legislativo, a presidente Dilma está mais do que nunca nas mãos do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, que receberá o parecer do TCU fortalecido pelo clima político que o próprio governo reforçou nos últimos dias.

O campo de batalha se transfere agora para o Legislativo, onde o governo segue na tarefa de “contar soldadinhos”, que estão em falta no momento.

Não está necessariamente relacionada a falta de quorum para manter os vetos da presidente Dilma pelo segundo dia consecutivo depois da reforma ministerial e a possibilidade de ter número suficiente para aprovar um processo de impeachment presidencial, mas está evidenciado que provavelmente a presidente comprou gato por lebre ao dar ao líder Leonardo Picciani um protagonismo que ele parece não estar preparado para exercer na base aliada governista. Ou que não é reconhecido por seus pares.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mesmo alvejado de morte pelas novas revelações sobre suas contas secretas na Suíça, parece ter ainda margem para manobrar a bancada do baixo clero da Câmara que a presidente Dilma pensava ter cooptado ao colocar para dentro de seu novo ministério tantos representantes seus, a começar pelo próprio Picciani.

Será uma precipitação da oposição considerar que o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) dá base à abertura de um processo de impeachment. Mesmo com o agravante de que, num ano eleitoral, tais atitudes influem no resultado eleitoral ao não permitir que o eleitor se dê conta do que está acontecendo no país.

Embora o teor do relatório seja revelador de irregularidades e crimes cometidos pelo governo, a aprovação pelo Congresso é fundamental para que o relatório sirva de base ao processo de impeachment.

A oposição trabalhará melhor se pressionar o Congresso a analisar com rapidez o parecer, em vez de se aproveitar da ânsia de vingança de Eduardo Cunha para apressar o processo de impeachment.

Pulando etapas, a oposição dará chance a que o Palácio do Planalto atue na judicialização do debate político, contestando no Supremo Tribunal Federal medidas que possam atropelar o rito natural de um processo de impeachment, que está em curso, agora baseado em documento técnico aprovado por unanimidade. 

O Globo, 08/10/2015