Rio não podia ter melhores símbolos visuais para representá-lo: o Cristo, de braços abertos, pronto a receber todo mundo, e Sebastião sofrendo
A culpa pode ser deste verão de extremos climáticos e intolerância política, e que rima inflação com recessão, corrupção com desilusão. Mas, mesmo para mim, que, por determinismo genético, sou otimista, assim como careca, está difícil encarar este 2016 com bom humor. O acumulado de 2015 é uma carga pesada de um ano que aprontou demais, deixando como saldo uma confluência inédita de crises simultâneas: econômica, política, social, moral, ambiental.Para quem mora no Rio, a mais angustiante de todas elas é com certeza a crise da saúde pública, que parece se encontrar em estado terminal. É de cortar o coração ver as imagens de pacientes morrendo sem assistência na porta de hospitais ou estirados nos corredores à espera de uma cirurgia de urgência que não acontece ou mães com crianças no colo atrás de vacinas que o governo alega não ter dinheiro para comprar. E se não bastasse tudo isso, há um país amedrontado por um mosquitinho quase invisível que produz um surto de febres exóticas de difícil combate: dengue, zika, chicungunha (Brasília já conhecia a chicunCunha). Até essa animação pré-carnavalesca e pré-olímpica dacidade soa como uma metáfora de mau gosto do naufrágio do Titanic. Deus nos livre.
Hoje, porém, dia do nosso padroeiro, não é hora de ficar falando de mazelas e, portanto, desculpem o pessimismo “seletivo”, para usar um adjetivo que está na moda. Ele é facilmente curável. Afinal, São Sebastião, um santo zen crivado de flechas, é um exemplo de serenidade e tolerância à dor. Aliás, o Rio não podia ter melhores símbolos visuais para representá-lo: o Cristo, de braços abertos, pronto a receber todo mundo, e Sebastião sofrendo, mas inspirando o carioca a dar a volta por cima.
Foi olhando essa imagem “tão castigada e tão bela”, que Gilberto Gil e Milton Nascimento compuseram uma linda prece em forma de canção:
“Eu prefiro que essas flechas
Saltem pra minha canção
Livrem da dor meus amados
Que na cidade tranquila
Sarada cada ferida
Tudo se transforme em vida.”
Que seja feita a vontade nossa e dos artistas, e que tudo acabe se transformando em vida, até porque o Rio produz uma curiosa ambiguidade (que é também deste vosso colunista): em meio ao desencanto, ainda mantém a esperança. E é na capacidade de sarar as feridas e sacudir a poeira que sempre residiu a energia desta cidade que, por isso e apesar de tudo, continua maravilhosa.