A vitória consumada do senador Renan Calheiros no Senado, e a provável do deputado federal Henrique Alves na Câmara amanhã, parecem dar razão aos defensores do pragmatismo político que faz com que partidos tão heterogêneos ( serão mesmo ?) formem juntos na mesma coalizão governamental, ou, mais ainda, que senadores do PSDB acabem votando em Renan Calheiros aproveitando-se do segredo do voto, para garantir ao partido um lugar na Mesa Diretora.
As vitórias e as traições são consequências da esterilização da política levada a efeito pelo governo petista primeiro através da abortada operação mensalão. Quando não foi mais possível comprar os 300 picaretas com dinheiro vivo, buscou o governo Lula montar uma maioria que fosse forte o suficiente para prevenir qualquer nova possibilidade de impeachment, presente na esteira do escândalo do mensalão, que ainda se arrasta como um cadáver insepulto pela política brasileira. Uma “maioria defensiva”, não criativa, que serve para evitar, não para realizar reformas.
Em vez de dinheiro vivo, ministérios inteiros foram sendo doados a partidos políticos, fossem de que ideologia fossem. No governo Dilma, na ausência do grande demiurgo, tratou-se de ampliar ainda mais essa maioria, até o cúmulo de incentivar a formação de um novo partido, o PSD, que desidratou de vez a pequena base oposicionista.
Mesmo essa base não escapa da cooptação quando a necessidade é grande. Lá estava o governador tucano de Alagoas, Teotonio Vilella Filho, para levar sua solidariedade ao ex-presidente Lula quando as novas denúncias do lobista Marcos Valério surgiram, incriminando-o no mensalão. É essa, na prática, a consequência da esterilização política que o petismo no poder produziu: um ambiente cada vez mais cínico onde só os “espertos” têm vez.
Por isso, Paulo Maluf está no palanque petista em São Paulo, cantando “Lula-lá” como se fosse da turma, e a candidatura de Renan Calheiros vira uma questão de honra para o PT. É desse modo que tentam colocar o procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, no córner, como se representasse o lado ruim da história e o ex-presidente da República cassado pelo Congresso, sob a liderança do PT, como o grande aliado e acusador do Ministério Público.
O mesmo MP de que tanto se serviu o próprio PT quando na oposição, agora transformado em “inimigo do povo”. Faz sentido tentar transformar o Supremo Tribunal Federal (STF) em um grupo golpista quando não se conseguiu transformá-lo em um tribunal subserviente ao governo de plantão, mesmo que tenha sido esse governo a nomear 8 dos 11 ministros que o compõem.
Nesse clima de loas aos vitoriosos costumeiros, não havia lugar mesmo para o espírito de Darcy Ribeiro, citado pelo anticandidato senador Pedro Taques: “Eu detestaria estar no lugar de quem venceu.”. Poucos ali naquele plenário pensam realmente assim, a maioria quer estar ao lado do vitorioso do momento, mesmo que a História os denuncie mais adiante.
O mesmo acontecerá na Câmara, onde a anticandidatura do deputado Chico Alencar, do PSOL, não encontrará eco, pois nega “a política como administração de poder entre elites e aceitação do existente como natural”. Ao lançar-se candidato, um documento do PSOL apresentou diversas razões para não aceitar o fato consumado anunciado pela coligação governista. “Nem mesmo as ordens sociais mais opressivas conseguem abafar a vitalidade que sobrevive na dinâmica social e na movimentação política”.
A “Política com P maiúsculo, a política que é História”, como definia Joaquim Nabuco, sempre renasce, garante, esperançoso, o documento do PSOL. Nessa luta, não se trata de checar ideologias ou apoiar programas partidários. Trata-se de unir os poucos que ainda acreditam nessa política para “acertar o passo do Legislativo Nacional com as grandes questões que afetam a vida do nosso povo”. Mas isso não passa de um sonho. O pragmatismo de Lula tratou de colocar os 300 picaretas, que um dia denunciou, ao seu lado, não para garantir a governabilidade como apregoam, mas o pedaço de cada um no imenso butim nacional.
O Globo, 3/2/2013