Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Política com P maiúsculo

Política com P maiúsculo

 

O Papa Francisco fez ontem, na visita à favela da Varginha, seu discurso mais político, referindo-se às recentes manifestações ocorridas no país de maneira positiva, encorajando a que os jovens permaneçam na sua luta contra a corrupção. Com outras palavras, retomou análises que fizera anteriormente, desde que assumiu, sobre a nobreza da ação política. Para ele, envolver-se na política é a obrigação de um cristão, pois a ação política é “das formas mais altas de caridade”.

A política com P maiúsculo, como definiu em outra ocasião, visa o bem comum e “nós cristãos não podemos fingir de Pilatos e lavar as mãos”. Ontem, ele se referiu especialmente aos jovens que “possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio beneficio".

Mas o Papa instou a que “nunca desanimem, não percam a confiança”, insistindo em que a ação política pode mudar a realidade, “o homem pode mudar”. Em palestras anteriores na Itália, logo depois de ser eleito Papa, ele falou mais diretamente sobre a atividade política ao ser perguntado por um estudante jesuíta qual seria a atitude evangélica correta nos dias de hoje.

Depois de afirmar que atuar na política é um dever de cristão, Francisco comentou: “A política é muito suja, mas pergunto por que é assim? Por que os cristãos não fazem política com o espírito evangélico? É fácil dizer que a culpa é do outro, mas o que eu faço? É um dever de um cristão trabalhar pelo bem comum”.

Na favela da Varginha, o Papa Francisco fez um apelo para que a população não se deixe "acostumar ao mal, mas a vencê-lo", e se colocou ao lado daqueles que lutam: "Vocês não estão sozinhos, a Igreja está com vocês, o papa está com vocês".

Numa referência crítica à política do governo do Rio, reforçada pela utilização da palavra “pacificação”, o Papa disse que nenhum esforço nesse sentido será duradouro,“não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma".

Em outra passagem, de apoio às políticas sociais, Francisco encorajou “os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria".

O Papa insistiu por fim na necessidade de uma educação de qualidade e calcada em valores, e não apenas "uma simples transmissão de informações com o fim de gerar lucros". A atuação política com base em valores nas sociedades democráticas é uma preocupação recorrente do Papa Francisco, revelada em outras ocasiões.

Na sua avaliação, “algo aconteceu com nossa política, ficou defasada em relação às ideias, às propostas... As ideias saíram das plataformas políticas para a estética. Hoje importa mais a imagem que o que se propõe. (...) Saímos do essencial para o estético, endeusamos a estatística e o marketing. (...).

Ele contou um dia que, como sacerdote, diante de uma eleição, mandava ler as plataformas para que os fiéis escolham. “No púlpito, tomo bastante cuidado, limito-me a pedir que busquem os valores, nada mais.(...) Participar da vida política é uma maneira de honrar a democracia.(...) Seria necessário distinguir entre a Política com P maiúsculo e a política com P minúsculo”.

O Papa Francisco considera que a religião não pode impor caminhos na política aos cidadãos, mas “se concebo o poder de uma maneira antropológica, como um serviço à comunidade, é outra coisa. A religião tem um patrimônio e o põe a serviço do povo, mas, se começa a se misturar com politicagem e a impor coisas por baixo do pano, se transforma em um mau agente de poder”.

O Globo, 26/7/2013