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Pesadelo e final feliz

 

Confesso que não tenho mais idade para ser submetido a uma experiência como a de ontem. Comecei a ver Brasil x Costa Rica carregado de perspectivas preocupantes e pressentimentos sombrios. Menos por causa do jogo em si e mais pelas informações que obtivera na véspera sobre o quadro político atual, tão crítico que incluiria até a possibilidade de uma tentativa de golpe civil-militar envolvendo figuras de várias instâncias do poder. O movimento de sedição já estaria sendo arquitetado.

Liguei a televisão com a esperança de que a alegria que finalmente nos daria a seleção afastaria aquelas lembranças noturnas que pareciam, que deveriam ser um inconveniente pesadelo. O Brasil com certeza se redimiria do frustrante empate da estreia. O Hino Nacional cantado por milhares de brasileiros no estádio mais caro do mundo era a trilha sonora para o espetáculo triunfal que viria em seguida.

Mesmo quando, aos 12 minutos, quem ofereceu a melhor jogada foi a Costa Rica e não o Brasil, aquilo seria apenas um pequeno tropeço, um acaso. A fraca equipe adversária não perdia por esperar.

Mas o tempo foi passando, e a nossa seleção praticamente foi repetindo os erros da estreia: Neymar provocando faltas longe da área, se irritando e reclamando do juiz, e a equipe sem acertar o gol.

No balanço do primeiro tempo, os analistas admitiam que a seleção não estava jogando tão bem quanto podia, mas bastariam algumas modificações. Ronaldo Fenômeno, por exemplo, não mexeria, apenas ajustaria o lado direito. Casagrande concordava, substituiria Willian por Douglas Costa, mas esperaria uns dez minutos.

Para o segundo tempo veio um time com outra disposição, promovendo um bombardeio no gol adversário. Tantos chutes a gol, tantos ataques, tantas situações de perigo não aproveitadas levaram Galvão Bueno ao desespero: “é muito sofrimento”, “o jogo é dramático”, “tem que fazer gol!”.

De minha parte, confundo lances e jogadas. Me lembro do pênalti que o juiz de campo marcou e o de vídeo não confirmou, talvez pelo que o mesmo Galvão chamou de “gesto exagerado, artístico” para valorizar a infração. Também me lembro do gol de Phillippe Coutinho, que tem sido até agora o verdadeiro craque do time, e o do próprio Neymar. Foi dele, aliás, a imagem mais comovente de todo o espetáculo: rosto coberto com a camisa, chorando — chorando não, soluçando, numa espécie de choro de redenção pelos erros que cometeu.

Quanto a mim, só espero que os pressentimentos sombrios não passem daquele pesadelo e tenham o mesmo final feliz do jogo Brasil x Costa Rica.

O Globo, 23/06/2018