O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que assumiu o cargo tendo como uma das suas prioridades à frente do Conselho Nacional de Justiça o combate à morosidade da Justiça, está tendo que se render ao sistema protelatório da Justiça brasileira, que ele mesmo criticou. Assim como negara a prisão antecipada dos mensaleiros, ele negou o pedido de prisão imediata do deputado federal Natan Donadon, do PMDB de Rondonia, condenado há mais de dois anos por formação de quadrilha e peculato, e que continua até hoje exercendo seu mandato em Brasília. Agiu certo nos dois casos.
Mesmo tendo sido recusado o último dos recursos cabíveis em dezembro do ano passado, Barbosa concordou com o argumento da defesa de que o processo ainda não transitou em julgado, o que ocorrerá apenas quando for publicado o acórdão. Como o Judiciário está em recesso, o prazo de dois meses para que isso aconteça terminará em março, mas mesmo assim não é certo que até lá o documento que torna oficialmente o processo encerrado esteja publicado.
Depois de publicado o acórdão, o advogado de defesa pedirá a revisão criminal do processo, tentando levar para a primeira instância o julgamento, sob a alegação que outros condenados pelos mesmos crimes – formação de quadrilha para desviar dinheiro público - foram julgados por tribunais da primeira instância e receberam penas menores, que acabaram prescrevendo. Donadon, como era deputado federal, foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
As diversas formas e procedimentos que existem no sistema judiciário brasileiro para adiar a execução de uma pena levaram o ministro Joaquim Barbosa a afirmar em seu discurso de posse na presidência do Supremo que Justiça que não é igual para todos e que tarda, não estimula a cidadania e torna-se injusta.
É uma visão que leva também ao combate à corrupção, pois quanto mais a Justiça é vagarosa e dominada pela burocracia, mais estará sujeita à exploração de vantagens indevidas daqueles que criam dificuldades para vender facilidades.
Para superar esse problema o ex-ministro Cezar Peluso, quando presidia o Supremo, propôs que as decisões dos tribunais locais, estaduais ou federais, se tornassem de execuções definitivas. Ele alegava que 90% dos processos que chegam ao Supremo já tiveram, pelo menos, duas decisões em instâncias inferiores e estimava em mais de 30% o ganho de tempo dos processos.
A proposta de Cezar Peluso não foi adiante, pois muitos alertaram para o risco da execução de uma decisão de um tribunal estadual enquanto os recursos continuam. Se o réu ganha o recurso da última instância, como fazer? O problema maior seria nas questões penais, com o réu condenado sendo absolvido em outra instância enquanto estiver cumprindo pena, ou até mesmo já a tendo cumprido integralmente. Mas o caso do deputado Donadon chama a atenção mais uma vez para as muitas possibilidades de postergação das decisões da Justiça, no momento em que os réus do mensalão preparam-se para acionar os diversos embargos previstos na legislação quando o acórdão do julgamento for publicado. A começar pela burocracia do próprio Supremo, que às vezes leva vários meses para conseguir publicar o acórdão, abre-se a possibilidade de passaram-se mais de dois anos até que as sentenças sejam cumpridas.
A propósito da coluna “Governo fantasma”, recebi do presidente do Senado José Sarney o seguinte comentário: “Leitor constante de sua coluna, tenho uma pequena achega a fazer ao seu comentário de hoje. Trata-se da afirmação de que “No caso de Tancredo Neves … quem deveria ter assumido era o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães.” E você acrescenta uma resposta que Ulysses teria dado a Pedro Simon, citando ironicamente o General Leônidas como o “maior jurisconsulto do país”.
Peço que você veja as declarações de Ulysses registradas por Luiz Gutemberg em seu “Moisés, codinome Ulysses”: “É verdade que não aceitei o poder que Figueiredo me oferecia numa bandeja. Nem precisei me recusar. As sugestões do nosso lado para que assumisse como presidente da Câmara eram minoritárias, isoladas. Não fui porque não podia, não era constitucional. Também não me aproveitaria. Respeitam-me, nunca fui golpista. Sempre desafiei meus adversários para que apontassem um único gesto em que me revelei carreirista. (…)Criaram uma lenda e repetem essa besteira de que, mais uma vez, perdi uma chance de ser presidente. Só perde quem tem direito. Portanto, não perdi.”
O Globo, 12/1/2013