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Parlamentarismo informal

 

A formulação de um “parlamentarismo informal” que estamos vivendo hoje no Brasil já foi experimentada antes, a exatos 25 anos, quando o “ministério dos notáveis” foi formado no Governo Collor, na tentativa de manter a governabilidade enquanto um processo de impeachment contra o presidente dominava os trabalhos do Congresso.

Com uma diferença: enquanto naquela ocasião os parlamentares não interferiram na formação do gabinete ministerial, permitindo uma ação governamental livre de amarras partidárias, hoje o governo Temer depende de trocas de favores para ter o apoio do Congresso, quer para livrá-lo dos processos de impeachment quanto para aprovar as reformas estruturais propostas, inclusive a emperrada reforma da Previdência.

Talvez se o presidencialismo de coalizão estivesse tão deformado quanto hoje, com o fisiologismo dominando as negociações políticas, Collor tivesse escapado do impeachment. Mas tínhamos naquela ocasião um esquema regional de apropriação do dinheiro público que se transferiu para o governo central sem divisão do butim com o Congresso, o que facilitou a unanimidade do impeachment.

Ontem, a Casa das Garças no Rio, e o Cebri, dois dos principais think-tanks do país, promoveram um debate sobre esse período, com o lançamento do livro de Marcilio Marques Moreira, ex-ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, editado pelas edições de Janeiro, intitulado “Quixote no Planalto, o resgate da dignidade em tempos adversos”. Participaram do debate, do qual fui o moderador, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que atuou como negociador da dívida externa, e o ex-presidente do Banco Central, que foi diretor do mesmo BC no período.

Os dois valeram-se da experiência daquele período para fazer paralelos com outras transições econômicas brasileiras da qual participaram, como a que resultou no Plano Real no Governo de Fernando Henrique Cardoso. Do grupo que atuou naquela ocasião em diversos níveis, saíram vários ministros e presidentes do Banco Central e de outras autarquias federais nos governos seguintes de Itamar Franco e Fernando Henrique, podendo ser visto o período como um embrião do Plano Real.

Um dos fatos mais relevantes daquela ocasião foi o chamado “pacto de governabilidade” feito entre os integrantes do “ministério de notáveis”. No dia 25 de agosto de 1992 seus componentes, entre eles Marcílio Marques Moreira, Celso Lafer (Relações Exteriores), Célio Borja (Justiça) Jorge Bornhausen (Governo), Sérgio Rouanet (Cultura), Eliezer Batista (Secretaria de Assuntos Estratégicos), Adib Jatene (Saúde), emitiram um comunicado em defesa da governabilidade, comprometendo-se a permanecer em seus cargos até o fim do eventual processo de impeachment.

No comunicado os ministros observaram que “seguros da honradez de suas vidas”, não temiam a ameaça de perderem o respeito de seus concidadãos, “exatamente por servi-los em hora difícil e em circunstâncias adversas”. Os signatários manifestaram sua confiança de que a crise seria resolvida nos foros constitucionais apropriados, “sem pôr em risco, em nenhum momento os interesses maiores e as necessidades presentes da nação brasileira”.

O ex-ministro Marcilio Marques Moreira comentou que a unidade de propósitos da equipe ajudou muito na retomada da recuperação da economia e na superação da crise política de forma absolutamente constitucional, sem que a economia tivesse sofrido abalos extraordinários, com as reservas internacionais sendo recuperadas, sem o colapso das  bolsas.

A diferença de clima político também ajudou muito. Há 25 anos, havia quase uma unanimidade a favor do impeachment do presidente Collor, e os ministros, em sua maioria, não faziam parte de partidos políticos, e o “ministério de notáveis”, era a última tentativa de Collor de manter-se no poder montando um ministério pelos critérios meritocráticos, e não políticos.

Na nossa experiência atual, vimos ministros de diversos partidos, inclusive do PSDB, negociando diretamente com o Congresso a favor do presidente Temer, e vários deles retornando a seus mandatos na Câmara para votar pela permanência do presidente.

A diferença é que, naquela ocasião, como disseram no comunicado à Nação, “os ministros consideravam seu dever prosseguir trabalhando, com serenidade, para assegurar a indispensável continuidade da administração pública, da atividade privada e da tranquilidade dos cidadãos.”

Marcilio ontem confessou que até hoje não sabe como foi possível que não houvesse interferência política nas medidas econômicas austeras que estavam sendo implantadas. Reconhece que o então presidente Collor nunca o pressionou, e até mesmo o comunicado do pacto de governabilidade foi aprovado por ele, que fez apenas um comentário: “Vocês poderiam ter sido mais generosos comigo”.

O Globo, 12/12/2017