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Pacote de incertezas

 

O governo do estado defende como necessárias as medidas drásticas a serem adotadas contra a crise, alegando que, se essas providências amargas não forem tomadas, o déficit estadual chegará a níveis insuportáveis, a um rombo de mais de R$ 50 bilhões em 2018. Tudo bem. Mas quem garante que a adoção delas resolverá o problema? E se, a exemplo do que produzem certos remédios, houver o chamado efeito paradoxal: se, em vez de curar, a dieta se mostrar prejudicial? Afinal, as exigências do ajuste fiscal contidas no tal “pacote de austeridade” formam um assustador conjunto de decretos e projetos de lei que ameaçam um estrago na vida de muitos dos que menos têm. Programas sociais como Aluguel Social, Renda Melhor e Restaurante Popular, por exemplo, podem acabar. Reajustes salariais serão suspensos, o desconto previdenciário deve subir para 30%, e o ICMS de energia, combustíveis e telecomunicações vai tornar a vida mais cara. Parece o fim do mundo. E é, pelo menos para as vítimas de sempre.

Vários leitores do jornal têm reclamado, e um deles quis saber com ironia por que os funcionários públicos estaduais não foram convidados a participar da festa quando o estado nadava nos royalties do petróleo. Por que após “anos de má gestão do dinheiro público (e guardanapos em Paris e anéis em Mônaco) vêm cobrar covardemente a consequência de seus desatinos justamente da parte mais essencial do dia a dia: (...) professores, médicos, policiais e tantos outros serviços assistenciais?”.

Também o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, e o procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, são contrários às medidas e ameaçam recorrer contra elas, se a Assembleia aprová-las, como o presidente, Jorge Picciani, acredita que vai acontecer. O primeiro disse que não deixará a Constituição ser rasgada, e o segundo chamou o ajuste de “confisco”. Já o governador Pezão, meio perdido, avisa que não tem plano B, não sabe se vai poder pagar o décimo terceiro, e que continua “correndo atrás”.

Finalmente, uma pergunta de quem não entende de finanças públicas, só de sensatez. Se o estado chegou a essa situação de calamidade por gastar mais do que arrecadar, por que não começa o ajuste corrigindo as distorções? José Casado mostrou ontem que o Rio tem aposentados ganhando até R$ 75 mil por mês e servidor ativo recebendo até R$ 48,7 mil.

Enquanto isso, mais uma incerteza para nos perseguir: saber se o pacote anunciado como de austeridade não é, na realidade, de maldades.

O Globo, 09/11/2016