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Os Correios vão fechar uma escola

 

A privatização de empresas públicas pode ser uma medida saudável na política econômica de qualquer governo. Mas se o preço da privatização for o fechamento de escolas, de centros de ensino que estão fornecendo mão de obra para o desenvolvimento de áreas importantes de nossa cultura e de nossa economia, ela só pode ser vista como uma ação selvagem, que não traz nenhum benefício para o país. Só prejuízo. É o que se está discutindo no atual debate entre os Correios e a Escola de Cinema Darcy Ribeiro, nome com que é conhecido o IBAV (Instituto Brasileiro do Audiovisual), sociedade civil, sem fins lucrativos, responsável pela escola.

A eventual desestatização dos Correios parece ser uma fatalidade de nosso tempo. Sua privatização é um projeto permanente de quase todos os nossos ministros da Economia mais recentes. Não tenho uma posição muito definida sobre o assunto que, de um lado, deve levar em conta a inovação provocada pela revolução da internet; mas, por outro lado, tem-se hoje uma Empresa dos Correios, de natureza pública, que permite a comunicação e o comércio em todo o nosso território, do Oiapoque ao Chuí.

Enquanto ninguém chega a uma conclusão sobre qual será esse novo papel dos Correios, aqui e no mundo todo, quem está sofrendo as consequências é uma escola, por onde já passaram 20.000 jovens, em cursos regulares ou oficinas, vindos de todo o Brasil, alcançando todas as faixas sociais, exemplo de excelência pedagógica e social.

A Escola de Cinema Darcy Ribeiro (ECDR), comandada desde sempre pelo IBAV e pela obsessiva e eficiente professora Irene Ferraz, exemplo de servidora empenhada em seu papel, é um dos poucos centros que temos de ensino livre dedicado ao Audiovisual.

No ano 2000, ainda durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, os Correios fizeram uma cessão de uso ao IBAV. Eram “restos” de um prédio em ruínas, confiscado durante a Segunda Guerra Mundial, por ser a sede do Deutsche Bank, nosso “inimigo de guerra”. Um prédio em desuso há muitos anos, na esquina da Rua Primeiro de Março com a Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro, para que ali se instalasse o sonho raro de um centro de ensino e pensamento do Audiovisual. Para que isso se tornasse possível, os responsáveis pelo IBAV realizaram inúmeros investimentos para a restauração, recuperação, adequação e manutenção do edifício, utilizando-o em benefício da formação profissional na área.

Nesse prédio, hoje tombado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por iniciativa do deputado Carlos Minc, sempre se praticou, antes de tudo, a pesquisa capaz de desenvolver, na prática e na teoria, uma enorme área de técnicos e criadores, homens e mulheres dedicados à cultura e à fabricação do Audiovisual brasileiro. Hoje a escola mantém o prédio funcional, com cinco pavimentos, todos recuperados e remodelados, que abrigam salas de aula, ilhas de edição, estúdios, biblioteca e filmoteca, sala de exibição de todos os formatos óticos e digitais, locais preparados para receber estudantes do Rio de Janeiro e de todo o Brasil, como vem acontecendo desde sempre.

São esses os elementos formadores dos profissionais que já atuam hoje ou que vão atuar amanhã na indústria criativa do Audiovisual. Um item hoje significativo em nosso PIB nacional. E também nas contribuições prestadas por alunos e ex-alunos, no debate cultural do país, um país que ainda inventa sua forma de pensar e de se comportar como nação. Nessa segunda feira, por exemplo, a escola começa a preparar uma nova turma de estudantes, fruto de emenda parlamentar da Câmara dos Deputados, que possibilitou a abertura de uma nova classe com 35 vagas de bolsas integrais para jovens de periferia, que por ela serão formados. Essa é uma das contribuições decisivas que a escola dá ao crescimento e à consolidação da atividade Audiovisual no país, em benefício sobretudo do que estará na televisão e no cinema, visando ao desenvolvimento democrático do Brasil.

O que os Correios fazem neste momento, pedindo de volta um prédio que não tem nenhuma utilidade para o serviço que prestam, apenas para valorizar seus bens imobiliários, na hipótese de uma privatização do que já não serve mais, é no mínimo medíocre e pouco patriótico. O que seu gesto vai certamente provocar, se por infeliz acaso for executado, é a interrupção da atividade letiva da Escola e do IBAV. E portanto um boicote ao futuro do Brasil. Fica Darcy!

O Globo, 02/02/2020