NOVA YORK - Economia em crise e sucessão presidencial são os assuntos. Especula-se: Hillary Clinton tinha certeza de que seria candidata à Presidência dos Estados Unidos e se recusou a concorrer em 2004, convicta de que em 2008, depois de Bush, teria vitória garantida. Seria a primeira mulher presidente americana. Quanto à candidatura, eram favas contadas. Ninguém no Partido Democrata teria condições de enfrentá-la.
O imprevisto acontece e surge, como um demônio num salão de festas, um senador negro, de Illinois, filho de um queniano com uma antropóloga americana esquerdista, com nome muçulmano, Barack Hussein Obama, Jr., cuja avó analfabeta fuma seu cachimbo debaixo de frondosa árvore na África. Ele irrompeu montado num talento extraordinário, orador e comunicador, com idéias claras e objetivas, que vão direto ao que quer ouvir um povo envolvido numa guerra sem saída, a do Iraque.
Foi ele um dos poucos políticos a se opor à guerra. É hábil, ladeou o problema racial até seu discurso na Filadélfia, considerado histórico pela "Newsweek". Beneficiou-se da internet para angariar fundos que chegam em pequenas quantias, mas de milhões de adeptos.
Tornou-se um fenômeno, e não um postulante, e seus adeptos o consideram um campeão das mudanças. Com a última brilhante vitória em Oregon, já vestiu a camisa de ungido. Seu obstáculo agora é unir o partido e vencer John McCain.
Aí começam as dúvidas. Se todos acham que Obama será o candidato democrata, nem todos o consideram o melhor para derrotar McCain, que é um republicano heterodoxo, herói da Guerra no Vietnã, onde foi gravemente ferido, prisioneiro por mais de cinco anos e torturado. Fala bem e tem simpatia pessoal. Diz que vai combater Bin Laden "até as portas do inferno", votou contra a lei antitortura, defende acordos de livre comércio, mas é autor do projeto da anistia aos imigrantes ilegais e quer reduzir a emissão de gases, temas de que os republicanos tradicionais fogem como o diabo da cruz.
Hillary diz que, se já chegou até aqui, vai ao final. Sua vitória no Kentucky não animou nada. Nem o apelo de ser mulher sensibiliza mais. Sua última e traumática chance seria uma escolha pelos superdelegados, coisa considerada improvável.
Não é mais esta a luta que se discute. Agora é a hora e a vez da campanha presidencial, e nessa a situação de Obama não é tão clara quanto nas primárias. A América profunda não aceitará facilmente suas idéias. Mas como McCain se desvinculará do governo mais impopular da história dos EUA? Quem vencerá: o candidato da mudança ou o republicano bem mudado?
Folha de S. Paulo (SP) 23/5/2008