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O xadrez da sucessão

 

Existem no momento três candidatos naturais à presidência da República: Bolsonaro, Lula e Sérgio Moro. Os dois últimos dependem de condições fora de seus controles para se viabilizarem. Bolsonaro depende de completar seu mandato, e manter os êxitos econômicos que se prenunciam. Caso consiga, é o provável vencedor em 2022. Desde que a reeleição foi implantada, todos os presidentes se reelegeram.

A perspectiva de dobrar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), podendo chegar este ano a 2,5%, traz consigo um ambiente favorável no país: inflação abaixo de 4% ao ano, juros cadentes, em direção às taxas internacionais, criação de empregos.

Claro que o cenário internacional terá influência decisiva nessas previsões otimistas, mas, internamente, os problemas políticos que necessariamente acontecerão pela agressividade do presidente só se tornarão obstáculos intransponíveis se a economia não der motivos para esperanças. Desse ponto de vista, o presidente Bolsonaro é uma espécie de refém do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ou melhor, das reformas estruturais que estão em curso, inclusive na microeconomia.

Já a relação de poder entre Bolsonaro e Moro é de outra categoria. O presidente depende de Moro no momento, mas o combate à corrupção e ao crime organizado já não são tão prioritários para Bolsonaro, embora ele tenha que manter a percepção popular de que sejam.

Já há, porém, desconfiança sobre isso nas redes sociais, desde que o governo claramente se empenha em proteger o senador Flavio Bolsonaro, e o combate ao crime organizado esbarra em ligações perigosas e públicas com milicianos.

Moro mantém sua alta popularidade, e cada vez que é derrotado, como no caso do juiz de garantias, reafirma seu comprometimento com a luta contra a corrupção, passando subjetivamente a Bolsonaro o ônus da decisão. Moro fica com o bônus da coerência.

Não é à toa que Bolsonaro já anunciou que gostaria de ter Moro como vice-presidente na chapa da reeleição, o que não quer dizer que será. Diz apenas que Bolsonaro quer mantê-lo sob sua órbita, mesmo abrindo cada vez mais divergências com seu ministro da Justiça.

Paradoxalmente, as derrotas que Moro vem sofrendo o fortalecem junto à opinião pública. As criticas que vem recebendo refletem a insatisfação de parte dos bolsonaristas com a redução da ênfase do governo no combate à corrupção, e de apoiadores da Lava-Jato que já vêem como erro político de Moro estar no ministério de Bolsonaro.

Para neutralizar Moro, o presidente tem ainda mais uma cenoura, além de colocá-lo de vice-presidente. Pode voltar ao projeto inicial de indicá-lo para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro deste ano. Tanto indicação quanto aceitação dependem de circunstâncias políticas.

Bolsonaro precisa estar convencido de que é melhor se livrar de Moro sem brigar com ele. Moro deve se convencer de que é melhor ir para o STF do que permanecer na política, que pode levá-lo à presidência da República, mas não obrigatoriamente.

Uma candidatura de Moro depende também de circunstâncias políticas que vão se desenhando aos poucos. A saúde do presidente é uma condicionante, mas não a única. Obstáculos políticos podem inviabilizar uma candidatura à reeleição. Moro pode ser uma saída para uma falta eventual de popularidade de Bolsonaro.

Mas pode também ser uma pedra no sapato se, hipoteticamente, sair do governo para se apresentar como alternativa aos eleitores, assumindo uma posição crítica que ensaia.

Já o ex-presidente Lula depende de uma mudança improvável na Lei da Ficha Limpa para se candidatar, mesmo estando fora da cadeia pelo momento. Parece continuar sendo o principal ator da oposição brasileira, o que não quer dizer muita coisa na atual realidade, onde a esquerda está dividida e sem ação, ainda vivendo de um passado que alimentou esse presente.

A economia é a chave dessa impossibilidade de ação. A crise que causou três anos de recessão, com conseqüências dramáticas no cotidiano dos cidadãos, está na conta dos governos petistas. Foram dois governos de política liberal, que negam o petismo, o de Temer e o de Bolsonaro, que tiraram o país da situação em que se encontrava.

O Globo, 05/01/2020