O grande problema para os partidos revolucionários é distinguir poder e realidade de governo. É aquilo que Orígenes Lessa consagrou em um dos seus livros famosos, "O Feijão e o Sonho", a abstração e o mundo real. Foi dentro dessa visão que Bismarck sintetizou o dilema, consagrando a definição, tantas vezes repetida, de que a política é a arte do possível. Aqui, também, aceitando que política é governar.
Dentro de uma sociedade democrática, as coisas funcionam na convivência e na acomodação dos diversos tipos de grupos de pressão, sendo que o grupo político reunido em partido quer mais do que influenciar o governo, quer conquistá-lo.
Joaquim Nabuco, quando fez a biografia do seu pai em "Um Estadista do Império", talvez um dos maiores livros deste país , ao examinar a luta dos partidos e facções num tempo bem mais tranqüilo do que o nosso, constatou que "sem os exaltados não se ganham as revoluções, mas com eles é impossível governar".
A revolução de outubro de 1917 na Rússia provou desse fel. Ela vinha embebida da recomendação de Marx, que, refletindo sobre o poder, dizia haver um só modo de "limitar, simplificar e localizar a sangrenta agonia da velha sociedade e as sangrentas dores do parto da nova, um só meio, o terror revolucionário". De certo modo repetia Robespierre, que, na Revolução Francesa, em 1789, também pontificava: "O atributo do governo popular na revolução é, simultaneamente, a virtude e o terror; a virtude sem a qual o terror é fatal; o terror sem o qual a virtude é impotente". Terminou na guilhotina.
Essa visão de que pela força se transformaria o mundo foi desmentida pela história. O socialismo comunista era uma idéia generosa: uma sociedade sem classes, a utopia da felicidade. O socialismo de Estado matou a liberdade e esmagou os seus fins pelos meios.
Hoje o mundo marcha para compatibilizar os ideais de justiça social sem matar a liberdade. Esta não pode ser, contudo, a filosofia do suicídio, como a segurança e a ordem não podem ser a bandeira do homicídio.
O socialismo está renascendo na luta para salvar o estado de bem-estar social dos ataques do neoliberalismo e da globalização financeira. Mas isso só pode ser feito de maneira duradoura dentro da democracia. Os países europeus estão dando o exemplo. O socialismo moderno não é mais revolucionário, mas, sim, uma etapa final da construção democrática.
Confundir governo com poder absoluto é o caminho mais próximo do desgoverno.
Palocci agora deu uma lição. Em vez de tirar o FMI no tapa, que não tiraria e ficaria sem mão, tirou-o numa estratégia brilhante, sem as "dores sangrentas". Maquiavel, que não é autor do meu agrado, dizia que as dificuldades, na política, podem ser manejadas de dois modos: pela força, "tarefa dos conquistadores", ou pela conciliação, "através da negociação e do compromisso, tarefa dos estadistas".
No meio de tudo isso, devemos compreender os radicais, mas jamais pedir-lhes conselhos.
Vê-se, agora, um exemplo desses: o deputado baiano Sargento Isidório viu estrelas com um toque de exame prostático, preventivo do câncer: "Quase desmaio. A maneira como foi introduzido aquele dedo foi horrível". Afinal, o terror não começa por aí, e sim pelo pescoço.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/04/2005