Convidei o presidente da Academia Brasileira de Ciências, o físico Luis Davidovich, professor titular da UFRJ, a utilizar a coluna para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico. Ninguém melhor do que ele para ressaltar a importância da ciência, especialmente nos dias de pandemia que atravessamos.
“A crise global provocada pela COVID-19 tem dado à ciência um papel de destaque, associado à esperança de que surja um remédio ou vacina que mitigue os efeitos da pandemia. Coloca em evidência, também, o amplo desconhecimento sobre os métodos e o tempo da ciência. O medo da doença transforma-se em pânico diante do inimigo invisível e estimula o consumo de medicamentos ineficazes ou ainda não suficientemente testados. Setores da sociedade recusam-se a aceitar as recomendações da ciência, acusando-a de ser permeada de críticas internas e de constantemente modificar conceitos anteriores, o que é exatamente sua característica intrínseca, fonte da sua força e da sua evolução.
A ciência avança através do debate constante, de perguntas e hipóteses bem definidas e do cuidadoso exame dos métodos utilizados. Ela não apregoa uma verdade atemporal, pois isso iria contra sua grande motivação: a busca da verdade. Ao enfrentar desafios, como a atual pandemia ou a física do microcosmo, usa o conhecimento anterior, revê conceitos e produz novas ideias. Que podem demandar tempo para serem aplicadas: os pioneiros da física quântica, no início do século 20, não tinham ideia das aplicações revolucionárias que viriam nas décadas seguintes: o laser, os chips de computadores, os aparelhos de ressonância magnética nos hospitais, o GPS.
Se o tempo para produzir e testar uma vacina é cerca de um ano e meio, que parece infinito diante do avanço da pandemia e dos prejuízos à economia, o tempo para construir uma sólida base cientifica é bem maior. As pesquisas na área da saúde no Brasil vêm de longe, da criação da Fiocruz em 1900 e do Instituto Butantan em 1901. A formação continuada de pessoal qualificado, desde então, permitiu que o Brasil assumisse liderança internacional nas pesquisas sobre a Zika e que tivesse a infraestrutura para testar vacinas contra a COVID-19. A fundação, em 1887, do Instituto Agronômico de Campinas, foi um primeiro passo para a criação, em 1927, da Embrapa, que através de suas pesquisas revoluciona a agropecuária nacional. Ao longo de décadas, consolida-se também o pensamento na área de ciências humanas e sociais, permitindo entender melhor e buscar soluções para um país que padece de forte desigualdade, obstáculo ao seu pleno desenvolvimento.
A institucionalização da ciência brasileira ocorre no pós-guerra, com a criação do CNPq e da CAPES, em 1951, da FINEP, em 1967 e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em 1969. Iniciativas visionárias, pois estruturam a pós-graduação nacional, fomentam projetos importantes em centros de pesquisa, universidades e indústrias, apoiados pelo FNDCT, e formam, com bolsas do CNPq e da CAPES, pesquisadores, engenheiros e profissionais da saúde, que contribuem para o avanço do conhecimento e a economia do país.
Esse notável arcabouço, iniciado no final do século 19, permite agora buscar soluções para a atual crise sanitária, social e econômica, que pega a ciência e a indústria no contrapé. É preciso reverter o processo de desindustrialização do Brasil e recuperar os laboratórios das instituições de pesquisa, prejudicados por sucessivos cortes orçamentários. E enfrentar novos desafios, que mudem o perfil da economia brasileira, como o uso sustentável da biodiversidade para insumos de um complexo industrial da saúde. O FNDCT é um instrumento valioso para a reconstrução do país, mas seus recursos, contingenciados neste ano em mais de 85%, precisam ser liberados.
No pós-guerra, investimentos na ciência e na indústria foram fundamentais para o desenvolvimento nacional. É hora de repensar o país e planejar, com ousadia e criatividade, o pós-pandemia. Que terá que ser, mais que nunca, no Brasil como no mundo, o tempo da ciência”.