Os advogados dos réus e alguns comentaristas, sobretudo os ligados ao PT, afirmam que o Supremo Tribunal Federal está fazendo um “massacre condenatório” no julgamento do mensalão ao mudar entendimentos tidos como estabelecidos, especialmente os relacionados aos crimes de colarinho-branco.
O fato é que os defensores dos réus partiram de uma posição tradicional, que levava em conta menor as provas indiciárias ou as circunstanciais e as testemunhas quando não submetidas ao contraditório diante de um juiz. Os depoimentos em CPIs, por exemplo, não eram considerados se não reafirmados em juízo.
Todos os ministros do Supremo que se pronunciaram a respeito deixaram claro que não bastam apenas provas indiciárias ou circunstanciais para condenar alguém, elas têm que complementar o que está nos autos de maneira tênue. Mas, a partir do conjunto desses elementos, o juiz pode montar um quadro em que as peças se encaixem, mesmo que não tenha um ato de ofício ou uma confissão.
Mas também as provas testemunhais ganham relevo nesse contexto. Se mudança houve, seria não de conteúdo, mas de interpretação, porque o crime globalizado que movimenta trilhões de dólares consegue controlar governos, Estados, e é preciso tomar providências para conter essa onda.
O juiz não pode ficar inerte diante dos fatos que estão evidenciados pelos indícios, pelas circunstâncias, pelas testemunhas porque não conseguiu flagrante do acusado, o acusado foi mais esperto. Se ele deixa rastros no seu caminho, o juiz tem obrigação de seguir esses rastros e juntar as peças. Anteriormente, havia o consenso de que ninguém poderia ser acusado de corrupção ativa se não houvesse o chamado “ato de ofício”, isto é, um documento que demonstre que a pessoa se utilizou do cargo que exerce para corromper alguém. Por isso, o ex-presidente Collor foi absolvido no Supremo.
O ex-ministro Cezar Peluso, no último voto que proferiu antes da sua aposentadoria, defendeu que não há hierarquia entre as provas. “O sistema processual, não só o processual penal, assevera que a eficácia do indício é a mesma da prova direta ou histórico-representativa”, disse.
Rosa Weber disse em seu primeiro voto que “nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação”. A mudança veio porque crimes do colarinho-branco, corrupção, lavagem de dinheiro viraram crimes globalizados, e com as novas tecnologias fica cada vez mais difícil apanhar os acusados.
Luiz Fux iniciou seu voto na última quinta-feira mostrando que citava “inúmeros precedentes da nossa jurisprudência no sentido de que nós, da Suprema Corte, podemos nos valer desses elementos circunstanciais, em que a defesa tem que se contrapor a esse conjunto de elementos que conduzem a essa conclusão”, retomando um tema polêmico, de que cabe ao acusado provar seu álibi.
Para ele, “a prova pericial é considerada uma prova mais importante nesta espécie de delito onde não se assinam bilhetes”. Observando que a lavagem de dinheiro é crime que alimenta outros crimes, como o tráfico de drogas, Fux disse que “a prova deixou de ser meramente demonstrativa para ser persuasiva, é a persuasão dos elementos probatórios que vai levar o juiz a um melhor convencimento. (...) É possível concluir-se por um juízo de condenação com a conjugação de todos esses elementos”. Fux citou o jurista italiano Giovane Leoni, que afirma que “a expressão máxima da presunção é exatamente a soma dessas provas”. Quando chegou sua hora de votar, o decano do STF, Celso de Mello, fez questão de reafirmar que “o Supremo Tribunal Federal tem observado e assegurado aos réus todas as garantias processuais que as leis lhes resguardam”.
Mas deixou claro que o princípio da presunção de inocência é dos mais caros ao regime democrático do Direito brasileiro, para rebater indiretamente a tese da presunção defendida por Fux: “(...) em matéria de responsabilidade penal, não se registra no Brasil, e neste modelo que entre nós permanece, não se pode reconhecer a culpa do réu por mera suspeita de presunção ou por ouvir dizer”. Ao que o presidente do STF, Ayres Britto, acrescentou: “A presunção é justamente inversa, em favor do réu. É signo de estado de direito”.
O Globo, 15/9/2012