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O ‘salve’ de Lula

 

Desde que a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT e um dos nomes cogitados para substituir Lula na disputa presidencial, teve a brilhante ideia de comparar o ex-presidente ao traficante Fernandinho Beira-Mar, pedindo isonomia para que Lula o imitasse dando entrevistas de dentro da cadeia, essa relação entrou no debate político.

Na quarta-feira, na “Central das Eleições” da GloboNews, o pré-candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, deixou implícito um paralelo quando acusou Lula de ter operado “freneticamente” de dentro da prisão para isolá-lo politicamente, impedindo que o PSB o apoiasse.

Disse também que Lula trabalhou junto a Valdemar Costa Neto, condenado pela participação no mensalão e investigado na Operação Lava-Jato, levando a que o líder do PR evitasse que o centrão o apoiasse.

O ex-presidente Lula está teoricamente incomunicável na sede da Polícia Federal em Curitiba, mas têm sido liberadas as visitas de políticos e advogados, alguns dublês de políticos e advogados, que levam para fora da cadeia recados de Lula.

Ele está proibido pela juíza Carolina Moura Lebbos, titular da 12ª Vara Federal de Curitiba, de gravar vídeos, conceder entrevistas e fazer, por meio de videoconferência, atos de pré-campanha, além de participar “presencialmente” da convenção do PT.

Filmagens na sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba também estão vedadas. Para a juíza, “a situação fica bastante clara ao se notar, por exemplo, a evidente inviabilidade, por questões de segurança pública e de administração penitenciária, de universalização aos demais detentos da possibilidade de comunicação com o mundo exterior mediante acesso de veículos de comunicação para reiteradas sabatinas ou entrevistas”.

O PT insiste em levar para a propaganda eleitoral a imagem e as palavras de Lula, e a Justiça Eleitoral já avisou que isso não será possível, pois Lula, como diz o ministro do STF e atual presidente do TSE, Luiz Fux, tem uma “inelegibilidade chapada”.

Bandidos como Fernandinho Beira-Mar ou Marcinho VP, também citado pela defesa de Lula, se comunicam de dentro da cadeia através de celulares que entram clandestinamente. Lula não poderia usar o celular escondido, pois está sozinho em uma cela na PF de Curitiba, e seria impossível burlar a vigilância dos policiais federais. Atribui-se, aliás, a Lula um comportamento na cadeia muito diferente do de presos como o ex-governador Sérgio Cabral, que seria arrogante e pretensioso mesmo na condição em que se encontra. Já Lula é afável e conversador, e teria sido numa dessas conversas que o ex-presidente revelou que acha que não há ninguém no PT com condições de substituí-lo e ganhar as eleições.

Mas Lula tem mais liberdade que os bandidos para mandar seus “salves”, que são os recados enviados para fora da cadeia pelas lideranças das facções criminosas através de visitantes ou mesmo dos diversos advogados que os visitam.

Foi através desses “salves” que Lula costurou o isolamento de Ciro Gomes e a estratégia para forçar o PSB a ficar neutro na campanha presidencial. Cevou a candidatura a governador da neta de Arraes pelo PT em Pernambuco, para ameaçar a liderança do PSB no seu estado natal, onde tem apoio maciço do eleitorado. O acordo prevê que o PT apoiará a reeleição do governador Paulo Câmara e, em compensação, em Minas o PT seria apoiado pelo PSB.

Marília Arraes levou uma rasteira em Pernambuco e Marcio Lacerda, candidato do PSB em Minas, teve que abandonar a disputa em favor da reeleição de Fernando Pimentel. Lula comanda seu grupo político, que foi classificado de “organização criminosa” nas sentenças que o condenaram, com mão de ferro, para não dar margem a que surjam líderes que lhe façam sombra.

Da cadeia, Lula condena à morte política os que não são submissos à sua ordem, o mesmo comportamento que tinha quando estava solto e comandava o PT. O mesmo Ciro avaliou que, embora considere injusta a prisão de Lula, não é possível considerá-lo um “preso político”. Pela sua atuação “frenética”, não passa de um político preso tentando manter-se no controle da esquerda.

O Globo, 03/08/2018