A "big word" , como dizem os americanos, aqui e agora, é corrupção. É bom ter por perto um "pai dos burros", o dicionário, para ter a exata noção do que se está falando ou do que estão falando. Na etimologia, a palavra vem do latim "corruptus", que tem significado para todo gosto: "estragado, subornado, seduzido". Francisco Antônio, dicionarista de meu tempo de colégio, latim-português, aumenta o leque do emprego de corrupção. É também "viciado, pobre, depravado, falsificado". Com o tempo, perdeu o "s" no francês arcaico e, no português, perdeu e manteve o "p". Com "p" e sem "p", é sempre a mesma coisa.
Volto aos dicionários. Consulto o "Aurélio", e o mestre, com seu poder de síntese, estende a amplidão dessa palavra tão resistente: "decomposição, putrefação, devassidão, perversão, suborno, peita". Só coisa feia.
O "Houaiss" diz que essa palavra começou a ser usada nas línguas derivadas do latim no século 15.
Antes, Cristo já se preocupava com ela. Por isso, pregou sobre como acabá-la e, no Evangelho de são Mateus 5, 13-16 (desta semana), diz aos apóstolos: "Vós sois o sal da terra" (vos estis sal terrae) como remédio.
O padre Vieira, que meus leitores já estão acostumados a que eu cite, num dos sermões de santo Antônio, pergunta e responde: "Qual a causa da corrupção de uma terra? Ou é porque o sal não salga -e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem do que fazer o que dizem. O que se há de fazer ao sal que não salga e à terra que não se deixa salgar?". O efeito do sal é impedir a corrupção, isto é, a putrefação, diz ele.
Vieira, vergastando o tema, dizia que os governadores "chegavam pobres nas Índias ricas e saiam ricos das Índias pobres". Recomendava a dom João 4º, no dilema de mandar dois capitães-mores ou um governador, que mandasse só um "governador", porque "menos mal será um ladrão que dois" e, totalmente descrente, "mais dificultoso será achar dois homens de bem que um".
Sou um leitor inveterado de anais parlamentares. É oportunidade de mergulhar no tempo e verificar como é fugaz a glória política e como os temas são recorrentes. É, também, oportunidade de saber segredos. Golberi dizia, citando não me lembro quem, que "a melhor maneira de guardar um segredo é colocar nos anais do Parlamento". Ninguém os lê. Nem os de ontem nem os de hoje. Neles encontramos momentos em que a corrupção é motivo de debates intensos. Exemplo: depois da abolição da escravatura, Joaquim Nabuco defendeu João Alfredo -presidente do conselho do governo que votou a Lei Áurea- dos ataques sobre os negócios dos irmãos Lóios (uma concessão de engenhos centrais). Dizia: "É tempo perdido defender aquele que todos atacam, e reconheço que se levantou uma montanha de censuras sobre ele". E, o que é terrível para um político, afirmava: "Já gastei a capacidade de indignar-me", reconhecendo que os partidos, ao combatê-la (a corrupção), buscavam sempre "a mesma escada para subir ao poder -e pela mesma escada iam descer".
O nosso problema atual é colocar o sal para salgar a terra. Será que esta não se deixa salgar? Mas é dever de todos fazê-lo sempre, em qualquer hora que apareça a dita.
O nosso, é de hoje. Então, para ela, pau e sal.
Folha de São Paulo (São Paulo) 10/06/2005