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O risco do efeito contrário

 

Em vez de impedir, proibição de ‘Minha luta’ pode estimular leitura, um fenômeno que costuma ocorrer desde o Jardim do Éden sempre que se decreta uma interdição.

Sou contra a proibição pela Justiça do Rio da venda, exposição e divulgação do livro “Minha luta”, de Adolf Hitler, um asqueroso manifesto de propaganda das ideias nazistas, fascistas, racistas e antissemitas, sem valor filosófico, histórico e nem mesmo biográfico, porque cheio de mentiras (não esquecer que é de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do regime hitlerista, a cínica máxima: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”). Se é assim, por que então sou contra? Defesa da liberdade de expressão? Não é nem por isso, já que o livro pode ser baixado grátis pela internet por qualquer um. A principal razão é o temor do chamado “efeito paradoxal”, uma consequência oposta ao que se pretende: em vez de impedir a leitura, a medida pode estimulá-la, um fenômeno que costuma ocorrer desde o Jardim do Éden sempre que se decreta uma interdição, seja de maçã, filmes ou livros. Nas sociedades de consumo, as estratégias de venda de um produto recomendam muita discussão, polêmica, debate, até o “fale mal, mas fale de mim”. Isso é o que está acontecendo. Só anteontem, nesta página, havia dois artigos, um contra e outro a favor. Quem leu os dois deve ter tido vontade de comprar um exemplar para tirar suas próprias conclusões. Não por acaso, uma fábrica deu o nome à sua cerveja de “Proibida”, lançada recentemente com uma campanha publicitária usando artistas de televisão. Um dos anúncios apresenta Antonio Fagundes recomendando a bebida “seis estrelas” com um sorriso malicioso: “Como toda proibida, é gostosa demais”.

Em sua decisão, o juiz Alberto Salomão Junior, da 33ª Vara Criminal, diz que o livro “tem o condão de violar a lei penal, pois fomenta a prática nefasta da intolerância a parcela determinável das pessoas humanas”.

Já Luiz Fernando Emediato, publisher da Geração Editorial, acredita que o magistrado pode rever sua sentença ao verificar, por exemplo, que sua edição crítica e comentada “presta um serviço à humanidade, pois desmente, refuta e condena as ideias de Hitler”.

“Mein Kampf” está em domínio público desde janeiro, mas as possíveis consequências maléficas apontadas para justificar a proibição não ocorreram. Soube apenas de um incidente ocorrido em livraria do Rio. Uns poucos compradores, não encontrando o livro, fizeram discurso antissemita contra o proprietário do estabelecimento, culpando-o pela decisão da Justiça. São os já convertidos, que não precisam ler o manual de Hitler para agir conforme o seu estilo e seguir suas ideias.

Verissimo é hoje uma das vítimas do exército de iracundos políticos, aqueles em cuja veia corre fel, não sangue. Logo ele, que é incapaz de ódio, a não ser contra cebolinha em conserva. Mesmo assim, compreende e defende quem gosta.

O Globo, 17/02/2016