Depois de ter sido o alvo preferencial das ruas no último domingo, quando protestos espalhados por todo o país exigiram o fim da corrupção e apoiaram as investigações da Operação Lava-Jato, o senador Renan Calheiros enfrenta agora uma perda política simbólica grave, sendo afastado por liminar da presidência do Senado. A Rede entrou ontem com o pedido de afastamento, alegando que já existe maioria firmada no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da tese de que quem é réu não pode fazer parte da linha de sucessão do presidente da República — no caso, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente do STF. O pedido foi aceito pela Corte e veio ao encontro da voz das ruas, impondo mais uma derrota a Renan.
A decisão foi suspensa, depois de seis votos dados a favor da ação direta de inconstitucionalidade (Adin), por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que ainda não liberou o processo para a pauta de votação, o que dificilmente acontecerá antes do início do recesso do STF, que começa a 20 de dezembro.
Como é o relator da ação contra a permanência de réus na linha de substituição da Presidência da República, o ministro Marco Aurélio Mello recebeu o pedido de liminar. Ele foi categórico em seu voto durante o julgamento: “Aqueles que figurem como réu em processo crime no Supremo Tribunal Federal não podem ocupar cargo cujas atribuições constitucionais incluam a substituição do presidente da República”.
Portanto, sua posição estava firmada, embora houvesse empecilhos para conceder a liminar, já que a votação não terminou. Existe, porém, no regimento interno o que se chama de “poder geral de cautela do relator”, que permite que ele tome uma decisão mesmo antes da votação em plenário. Coube a Marco Aurélio Mello decidir que a gravidade da situação justificaria recorrer ao dispositivo especial.
Hoje veremos a quantas anda a estabilidade emocional do senador Renan Calheiros, que nos últimos dias parece ter encarnado o espírito belicoso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Depois de ter se tornado o alvo preferencial das ruas, secundado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e blindando sem querer o presidente Michel Temer, o presidente afastado do Senado tem diante de si uma decisão que parece fácil, mas torna-se difícil para ele, na medida em que resolveu levar a ferro e fogo a aprovação do projeto contra o abuso de autoridade num momento em que se tornou réu no Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que a transformação de político cauteloso para incendiário tem uma razão objetiva: Renan Calheiros está convencido de que não tem mais nada a perder. “Até minha prisão esses caras já pediram, o que mais pode acontecer?”, comentou recentemente com senadores que tentavam convencê-lo a não levar adiante o pedido de urgência para a votação no Senado das dez medidas de combate à corrupção que viera da Câmara menos de 24 horas antes, acrescida da emenda que pune abuso de autoridade de procuradores e juízes.
Se ouvir a maioria de seus pares, não insistirá com o assunto na pauta, e, se insistir, tudo indica que será mais uma vez derrotado. Mesmo a saída de um meio-termo, que inclua a chamada “emenda Moro” para explicitar que a interpretação da lei e as decisões dos procuradores do Ministério Público e da Polícia Federal não podem ser criminalizadas dentro da nova legislação, não parece ser uma solução razoável para a maioria dos senadores, que querem simplesmente deixar para outros tempos, menos estressados, a análise tanto das medidas de combate à corrupção esterilizadas pela Câmara como o projeto contra o abuso de poder. Resta ainda saber até quando, mesmo afastado, Renan terá influência sobre a pauta e o controle da Casa.
Há, como sempre, os incendiários que apoiam que o projeto seja colocado em votação hoje, como o senador Roberto Requião, que é seu relator. Ele, que já mandou os que são contra o projeto “comer alfafa”, agora diz que apresentará relatório favorável ao projeto, não participando dos esforços para adiar a análise do tema. Veremos hoje se a moderação vencerá a radicalização.